domingo, 26 de maio de 2013

Trago o amor de volta...





Os postes de São Paulo estão cobertos de anúncios que prometem trazer seu amor de volta, com a possibilidade de uma amarração definitiva. Mãe Isso e Pai Aquilo garantem que a mandinga funciona em troca de uma módica quantia, que pode ser paga em até quatro vezes. Anote o telefone!

Apesar de me irritar com sujeira visual, não tenho em princípio nada contra esse tipo de propaganda. Desde tempos imemoriáveis as pessoas recorrem à magia para tentar consertar o passado e assegurar o futuro. Pagando por isso. Se cabras e galinhas não forem degoladas, eu não me oponho.

O que me incomoda intelectual e emocionalmente nas amarrações é seu objetivo. Ele me parece fundamentalmente equivocado. Por que trazer de volta quem nos machuca, em vez de nos ajudar a ficar livre do problema? Eis a questão.

Quem já passou por desastres amorosos sabe como funciona.

Quando a pessoa que você ama vai embora, o mundo ao seu redor desaba. É difícil dormir, é pior acordar, comer torna-se um fardo e conviver um inferno. Nesses momentos de dor absoluta, em que a ausência do outro nos sufoca, somos capazes de coisas absurdas para ter de volta nosso objeto de desejo.

Ligar, escrever, se humilhar, rastejar e pular nos braços de estranhos são apenas os primeiros movimentos da sinfonia. Lá pelo final da música, se nada funcionar, podemos nos encontrar de joelhos diante de Mãe Cidinha, implorando, com os olhos cheios de lágrimas - e um cheque na mão -, pela solução do nosso problema.

Se pais e mães de santo cuidassem de nossos interesses de longo prazo, fariam diferente.

Olhariam nos nossos olhos encharcados e diriam, com a autoridade daquele voz de outro mundo, para esquecermos quem nos machuca e partirmos para outra. Em apoio sobrenatural ao nosso esforço, fariam um despacho com intuito de desamarrar nossos sentimentos de forma definitiva. O feitiço teria força suficiente para empurrar o ex-amor para bem longe da nossa vida. Onde já se viu trazer fantasma, encosto e morto vivo para dentro de casa?

Se você está rindo, não deveria. A dor de cotovelo é uma das forças destrutivas do planeta. Diariamente, ela consome as energias de milhões de pessoas, em todas as geografias e idiomas. Pior ainda, é uma doença da qual muitos doentes não querem se livrar. Há gente abandonada que adota comportamento de viciado: sabe que “aquela pessoa” faz mal, mas corre atrás dela.

É essa estúpida epidemia de masoquismo que os anúncios do poste alimentam. Eles oferecem a droga da esperança para quem ficou dependente de um amor que não existe. Deveriam?

Um dos momentos gloriosos das nossas vidas tão breves acontece quando deixamos para trás uma obsessão amorosa. Depois de meses ou anos tomada por outra pessoa, nossa mente enfim reencontra o prazer de estar em paz, sozinha. Retomamos a nossa vida e o prazer de desfrutá-la. As outras pessoas, que pareciam mortas, voltam a nos interessar. Em algum momento – sublime renascimento - a gente até se apaixona de novo, e ensaia a dança da felicidade.

Tudo na nossa vida é medido com a régua do tempo. No caso do amor que deu errado, não é diferente: o sofrimento de ser rejeitado passa, uma hora passa, como todo o resto já passou. Mas quem disse que é fácil?

Eu me lembro – todo mundo lembra – como é difícil deixar de procurar alguém que se deseja. É desumano querer quando não nos querem. A gente lembra do rosto, pensa nos detalhes do corpo, quer a atenção daqueles olhos. Mas eles não olham mais para nós. E dói.

Algum tempo depois, porém, as coisas mudam. Aos poucos, mantida a devida distância e o silêncio, quem sofre esquece de quem faz sofrer. Lembra uma vez por dia, depois uma vez por semana, até que uma hora esquece. Ou quase. Numa manhã de domingo, vê o fantasma na rua e quase não se incomoda. A visão causa um pequeno rebuliço interior, mas aquele ser humano deixou de ser nossa catástrofe privada. Virou detalhe, como diria o Roberto Carlos. De alguma forma, passou.

Por isso tudo eu acho que o pessoal que vende promessas no poste deveria mudar seu cardápio. Em vez de amarração, ruptura. Em vez de trazer, afastar de vez. Em vez de esperança, realidade.

Nossa vida é tão curta e potencialmente tão bonita que não merece ser gasta com quem não nos dá bola. Acreditar em amor não é correr atrás de paixões impossíveis. É procurar aquilo que faz sentido – sentimento correspondido, festejado, que, em vez de ocupar a nossa mente como doença, ocupa os nossos dias como prazer, romance e companheirismo.

Para proteger esse tipo de amor, vale espada de dragão, arruda e sal grosso atrás da porta, para tirar mau olhado. Só não vale amarração, por favor. Para nos fazer felizes, as pessoas precisam estar livres.

Ivan Martins

domingo, 19 de maio de 2013

O mar de emoções...



Um comentário azedo é capaz de estragar uma tarde de sábado. Uma resposta ríspida, logo cedo, coloca um dia inteiro na direção errada. O sentimento de incompreensão nos lança em isolamento a 100 metros do outro, ainda que sentados no mesmo sofá. Às vezes é algo que ela falou, às vezes é a maneira como ele disse. De alguma forma, produz-se a fagulha que inicia uma briga ou cria o distanciamento - e, dado o primeiro passo, somos incapazes de voltar atrás. Quem nos salva de nós mesmos se estamos mergulhados em nossas mais sombrias emoções?
Algumas vezes, tenho a impressão de que os sentimentos controlam a totalidade nossa existência. A sua, a minha e a de todos os demais. Nessas ocasiões, a racionalidade me parece uma camada muito fina do que nos faz humanos. Sob a película da lógica e das palavras, move-se dentro de nós um mar de emoções que nos comanda - e, a despeito de nós mesmos, elege as nossas disputas e define as nossas afinidades.
Pense nos casais que você conhece: as pessoas se atraem por razões insondáveis, se juntam por motivos que não conseguem explicar e se querem, ou deixam de se querer, sem que saibam por quê. Para a maioria de nós, na maior parte do tempo, as causas das nossas afinidades são misteriosas.
No início da paixão, ou próximo do seu desfecho, forma-se uma corrente de sentimentos que lembra a volta de uma onda - ela nos arrasta numa única direção, de forma assustadora. Está em nosso poder recusar ou se render a esse empuxo, mas é impossível negá-lo. Ou inventá-lo, se não existe.
Entre o início glorioso e o final vale de lágrimas, nos cabe conviver no dia-a-dia das nossas emoções. As minhas, as suas, a dela. Não é fácil. A gente conversa, combina, acerta, discute, promete e, logo adiante, se contradiz, levado por sentimentos mais fortes do que nós.

Penso em coisas singelas, como deixar-se levar pela irritação ou pela impaciência, mesmo sabendo que não deveria. Penso no ato de despejar sobre o outro os nossos medos e necessidades. Penso na nossa teimosia, nas nossas explosões infantis de frustração, na imensa preguiça que assoma e nos paralisa, no egoísmo diário, mesquinho, ridículo, arraigado, que nos impede de estender a mão. Na ira. Penso no ato de sabotar a vida com doses miúdas de autocomiseração e autocomplacência.
Penso, sobretudo, no gosto de muitos de nós por chafurdar em sentimentos ruins.
Vocês já perceberam isso? Certas emoções embriagam. A raiva, a pena de si mesmo, o pessimismo... Uma vez que a gente embarque nesses estados de espírito, eles nos encarceram num círculo de irracionalidade. Somos tomados pelo prazer de sofrer e antecipar o pior. Praticamente desejamos o apocalipse emocional e o extermínio dos nossos afetos. Essa catarse é tão poderosa que, enquanto ela dura, nos impede de pensar de uma forma que não seja exaltada e destrutiva. Autodestrutiva, em geral.
Sabem do que estou falando, não? Acontece em brigas de adolescentes e de gente madura. Alguém está inseguro, entra em surto e parece imune à razão, determinado a chutar o pau da barraca a qualquer custo. Penso em quantos milhões de pessoas não tomaram decisões estúpidas no meio de um furacão emocional dessa natureza.
Acho que por trás das relações duradouras o que existe é um cenário totalmente contrário ao dessas crises. Por falta de um nome, vamos chamar esse fenômeno de compreensão profunda. Ela acontece nos casais montados sobre uma base de entendimento não racional. Não é apenas atração que os liga, não é apenas desejo. Muito menos são as concordâncias ideológicas ou intelectuais. Ocorre entre eles uma conexão silenciosa de personalidades que produz ao mesmo tempo conforto e intensidade. Aquilo que a gente chama de amor talvez seja apenas esse encontro fortuito de subjetividades.
De alguma forma, minhas emoções profundas se comunicam com as suas emoções. Isso torna a vida mais fácil e ao mesmo tempo mais intensa. Por alguma razão, você tem um atalho que chega até mim. Nossos sentimentos conversam, por isso as trocas racionais ficam mais fáceis. Elas acontecem sobre uma base de compreensão afetiva, muito mais efetiva do que a outra. Arranjos racionais são frágeis, enquanto os emocionais são difíceis de quebrar - mesmo quando lógica compele a isso.
Alguém pode chamar isso de amor, eu chamo de sorte. Chamo também de acerto e trabalho. A gente tem de estar pronto para uma coisa dessas. Tem de perceber quando ela acontece. Uns chegam a essa compreensão precocemente e por si mesmos. Outros precisam de análise e de tempo. Ralando. Muitos nem sabem que existe e nunca alcançarão a sintonia que permite navegar sem bússola o mar das nossas emoções. Azar deles - porque o mar existe, e nele naufragam boa parte dos relacionamentos.

Ivan Martins

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Admitir o fracasso...



Eu estava dentro do carro em frente à escola da minha filha, aguardando a aula dela terminar. A rua é bastante congestionada no final da manhã. Foi então que uma mulher chegou e começou a manobrar para estacionar o seu carro numa vaga ainda livre. Reparei que seu carro era grande para o tamanho da vaga, mas, vá saber, talvez ela fosse craque em baliza.

Tentou entrar de ré, não conseguiu. Tentou de novo, e de novo não conseguiu. E de novo. E de novo. Por pouco não raspou a lataria do carro da frente, e deu umas batidinhas no de trás que eu vi. Não fazia calor, mas ela suava, passava a mão na testa, ou seja, estava entregando a alma para tentar acomodar sua caminhonete numa vaga que, visivelmente, não servia. Ou, se servisse, haveria de deixá-la entalada e com muita dificuldade de sair dali depois. Pensei: como é difícil admitir um fracasso e partir para outra.

Para quem está de fora, é mais fácil perceber quando uma insistência vai dar em nada – e já não estou falando apenas em estacionar carros em vagas minúsculas, mas em situações variadas em que o “de novo, de novo, de novo” só consegue fazer com que a pessoa perca tempo. Tudo conspira contra, mas a criatura teima na perseguição do seu intento, pois não é do seu feitio fracassar.

Ora, seria do feitio de quem?

Todas as nossas iniciativas pressupõem um resultado favorável. Ninguém entra de antemão numa fria: acreditamos que nossas atitudes serão compreendidas, que nosso trabalho trará bom resultado, que nossos esforços serão valorizados. Só que às vezes não são. E nem é por maldade alheia, simplesmente a gente dimensionou mal o tamanho do desafio. Achamos que daríamos conta, e não demos. Tentamos, e não rolou. “De novo!”, ordenamos a nós mesmos – e, ok, até vale insistir um pouquinho.

Só que nada. Outra vez, e nada. Até quando perseverar? No fundo, intuímos rapidinho que algo não vai dar certo, mas é incômodo reconhecer um fracasso, ainda mais hoje em dia, em que o sucesso anda sendo superfaturado por todo mundo. Só eu vou me dar mal? Nada disso. De novo!

De-sis-ta. É a melhor coisa que se pode fazer quando não se consegue encaixar um sonho em um lugar determinado. Se nada de positivo vem desse empenho todo, reconheça: você fez uma escolha errada. Aprender alemão talvez não seja para sua cachola. Entrar naquela saia vai ser impossível. Seu namorado não vai deixar de ser mulherengo, está no genoma dele. Você irá partir para a oitava tentativa de fertilização?Adote.

E em vez de alemão, tente aprender espanhol. Troque a saia apertada por um vestido soltinho. Invista em alguém que enxergue a vida do seu mesmo modo, que tenha afinidades com seu jeito de ser. Admitir um fracasso não é o fim do mundo. É apenas a oportunidade que você se dá de estacionar seu carro numa vaga mais fácil e que está logo ali em frente, disponível.

Martha Medeiros

sábado, 4 de maio de 2013

Entre os olhos e o coração...




                                 


Em tempos de internet e redes sociais estamos fadados a nos envolver com desconhecidos. O garoto acha bonita a foto da garota no Twitter e faz um elogio. Pronto. A mulher gosta das palavras do homem no Facebook e curte. Começou. Um não sabe nada sobre outro, mas, rapidamente, dois estranhos se tornam íntimos. Às vezes, apaixonadamente. Então acontecem os problemas.Outro dia, me contaram uma história triste de desencontro digital.

Uma moça conheceu um rapaz pela internet e se encantou pela conversa dele. Passaram a se falar por telefone e o entusiasmo cresceu. Finalmente, marcaram um encontro, e aí se deu o desastre: ele não era como na foto. Apesar de sentir-se culpada e até mesmo envergonhada, ela não conseguiu superar a decepção. Reconhecia o rapaz que a fascinara quando ele falava, mas não conseguia sentir o que sentira antes de vê-lo. Os olhos falaram mais alto que o coração.

O manual de conduta moral recomenda que, nessas ocasiões, a gente critique a moça que julga as pessoas pela aparência e não é capaz de reconhecer um homem interessante por trás de um rosto menos atraente.
Mas eu, pessoalmente, não farei isso. Acho que só poderia julgá-la com rispidez quem nunca se deixou atrair (ou repelir) pela aparência dos outros. Quantos de nós somos capazes de observar apenas a personalidade das pessoas que nos cercam, sem se importar com a beleza ou a feiúra delas? Bem poucos, eu suponho.

Entre os homens, a decisão baseada em beleza é regra, não exceção. Ouvi falar de caras que marcam encontros pela internet e, antes de se aproximar, espiam de longe para ter certeza de que a moça é mesmo bonita como imaginavam. Se não for, vão embora e telefonam desmarcando, com uma desculpa qualquer. Talvez mulheres façam o mesmo. Ninguém quer ser “passado para trás” nesse tipo de situação.

Acho que esses desencontros evidenciam dois tipos de problemas.

O primeiro, antigo como a espécie humana, mas piorando acentuadamente, diz respeito aos nossos valores. Somos, cada vez mais, um bando de idiotas que julga a si mesmo e aos outros pela simetria facial, a circunferência da cintura e a rigidez dos glúteos. Essa não é a receita da felicidade universal, nem mesmo a fórmula para uma vida mentalmente saudável. Há sociedades mais modernas e bem-sucedidas que a nossa em que a aparência é um aspecto menos importante das relações interpessoais. Gente bonita leva vantagem em qualquer parte do mundo, mas isso não significa que pessoas comuns sejam discriminadas. Ou discriminem a si mesmas, o que é ainda pior.

O outro problema é a internet e os engodos que ela propicia.

Nas redes sociais e sites de relacionamentos todo mundo é lindo. As fotos são escolhidas com esmero, ou meticulosamente photoshopadas para impressionar e seduzir. O truque funciona. Qualquer foto sexy e bonita faz crescer o número de amigos e seguidores nas redes sociais. O problema é que o objetivo final dessa publicidade enganosa é um encontro frente a frente. De que adianta colocar fotos de tirar o fôlego na internet e aparecer depois, pessoalmente, com a carinha sem graça que Deus lhe deu? O desapontamento que isso provoca é devastador.

No mundo real, quando uma pessoa sem atrativos se aproxima para conversar, a expectativa que ela provoca é baixa. Mas o grau de interesse do outro sobe rapidamente de acordo com a qualidade do papo e a empatia que ele produz. A atenção cresce à medida que se manifestam o humor, o charme e a personalidade. Pode acontecer que em meia hora ou em duas semanas a outra pessoa esteja totalmente seduzida. Todos conhecem esse tipo de história. Acontece o tempo todo.

Com o encontro antecedido de fraude na internet ocorre o contrário. O interesse do outro começa lá em cima, em 100, mas, assim que a pessoa se mostra de verdade, como realmente é, ele vai caindo para 70, 60, 40... É difícil conter uma derrocada dessas. O desapontamento e a sensação de logro são muito fortes. Quem esperava pela beleza não aceita receber outra mercadoria. Sente-se injustiçado.

Se eu pudesse mudar as coisas num passe de mágica, faria com que nós, todos nós, fôssemos menos preocupados com a aparência. Quando se trata de relacionamentos, ela, sabidamente, não nos leva além da página 2. É apenas um bom começo. Se não houver outras razões para atrair interesse, o fascínio da beleza evapora como éter – deixando no ar um cheirinho enjoativo.

Como eu não acho que a obsessão coletiva com a beleza vá desaparecer tão cedo do nosso meio, recomendo respeitá-la. Não tente se fingir de galã na internet se você não é. Não tente parecer uma gata sedutora se não for o caso. Uma foto boa, mas honesta, e intervenções online inteligentes, podem levar mais longe. Outra coisa importante e que precisa ser lembrada: cada um de nós é mais bonito do que imagina ser.

A história que abre esta coluna é verdadeira e sugere que enganar as pessoas na internet não é uma alternativa se você pretende aproximar-se delas. Melhor mostrar-se como é, ainda que não pareça o Brad Pitty ou a Halle Barry. Assim, quando estiver frente a frente com a pessoa que seduziu à distância, a impressão só tende a melhorar. Com sorte, logo no primeiro encontro você passará da página 2 e entrará no território da sensibilidade e dos sentimentos. Nesse terreno, graça, caráter e sensualidade conduzem o processo. E a aparência conta muito menos. Para a sorte de todos nós.

Ivan Martins