quinta-feira, 20 de junho de 2013

Nós e a multidão...




Os casais costumam dividir o mundo em nós e eles. Basta uma semana de namoro para que esse forma perversa de cumplicidade comece a se manifestar. Nós somos inteligentes, bem informados, de bom gosto. Eles, ah meus deus, eles são um horror, mesmo quando são nossos amigos queridos.

Por razões que têm a ver com a política e a economia, a divisão do mundo entre nós e eles tornou-se muito mais profunda que a mera organização psicológica dos casais. Ela dominou a vida social. A maior parte de nós vive nos dias de hoje confinado ao universo do nós - eu e meus amigos, eu e minha garota, eu e minha família - e tem com o resto do mundo uma relação de ignorância ou hostilidade. São eles.

Aquilo que antigamente se chamava de vida privada tornou-se a única forma de existência. Vamos ao futebol ou aa balada, votamos a cada dois anos, mas vivemos a maior parte do tempo no interior da nossa bolha, onde experimentamos solitariamente as glórias e misérias do cotidiano. A vida pública, momento em que faríamos parte de algo maior do que nós mesmos, não existe. Ou quase.

Nesta semana, com as manifestações que tomaram as ruas das cidades brasileiras, houve uma espécie de renascimento. O coletivo e o geral atropelaram o particular. Milhares de pessoas deixaram seus problemas pessoais na gaveta e foram marchar por questões públicas, como cidadãos. Com esse pequeno gesto grandioso, revelaram ao país uma forma nobre e esquecida de felicidade, a de participar.

Quando nós viramos eles e eles viraram nós, foi possível perceber que não somos, afinal, tão diferentes. Com essa descoberta, o círculo de nossas relações se ampliou para incluir um número maior e mais heterogêneo de pessoas. Nosso universo se expandiu, nossa percepção enriqueceu, nos tornamos seres humanos mais interessantes, e melhores. Além de mais poderosos. Ainda que momentaneamente.

Nos últimos anos - sejamos sinceros - andávamos obcecados por nossos problemas pessoais. Os amores. O trabalho. A família. Foi como se o resto não nos dissesse respeito. Ou estivesse fora do nosso alcance. Chegamos a duvidar que aquilo que acontece "lá fora", no mundo da política, fosse capaz de penetrar nossa redoma privada e nos afetar. Mas penetrou e afetou, não? A violência, a pobreza, a injustiça, a corrupção... Aquilo que impede a felicidade de todos de alguma forma atrapalha a felicidade de cada um de nós. Isso aprendemos.

Talvez possamos, então, recomeçar, agora de um jeito mais equilibrado.

Somos indivíduos, com nossos sentimentos e nossos problemas, mas também somos parte da multidão. Algumas respostas que buscamos sozinhos talvez possam ser encontradas na companhia de outros. A fraternidade baseada em valores, e não apenas em cerveja, pode aquecer os nossos corações. Talvez ela seja um contraponto a certa afetividade triste que se multiplica por aí, na forma de amores sem esperança. O que não falta na rua é esperança: muita angústia se perde na confusão das passeatas e nunca mais é encontrada; muita dor de cotovelo desaparece. O mundo coletivo oferece novas emoções. Por que não abraçá-las?

Da minha parte, tenho me lembrado, diariamente, de um verso de Carlos Drummond de Andrade em Canção Amiga: "Minha vida, nossas vidas, formam um só diamante". É isso. Como podemos nos dividir em nós e eles se fazemos parte de um todo eterno e cintilante?

Ivan Martins

sábado, 1 de junho de 2013

Casou com o coqueiro e quer colher manga?




Construir um pomar é transformar terra em sabor. Escolher as sementes já com a água na boca do que se espera colher no futuro. Quem planta conta com a colheita. É fato. Espera um retorno.
Quando escolhemos um parceiro, estamos determinando uma parte do sabor do nosso pomar. Mas, inexplicavelmente, tem plantador que compra sementes de limão, na esperança de colher laranja lima. Não é que tenha comprado enganado. Apenas acha que, com o tempo, o sabor vai mudar. Planta seus limões bem feliz. Depois se espanta com o resultado da colheita. Estranha o azedume, faz cara feia. Não escolheu o limão? Esperava o que?

Vejo acontecer no consultório. As pessoas escolhem o parceiro como se procurassem apartamento. Já compram contando com a reforma. A pessoa é daquele jeito. Aceitou ou não aceitou?
Aceitam ficar com um coqueiro e passam a vida reclamando porque ele não dá manga. O que poderia ser doce sabor é provado como água saloba.

Todos nós temos alguma coisa para dar. Assim é também com o limão. Limão é boa fruta. Mas não é uma laranja lima. Nunca será. Faz limonada, caipirinha. É rico em vitamina C. Inigualável como tempero. Possui várias finalidades. Tem seu próprio sabor, e pode ser ótimo. Mas uma triste sequência de sustos e desilusões entre o que se planta e o que se espera colher desqualifica o limão, o reduz a zero.

É preciso saber receber, validar, reconhecer o valor do parceiro que está ao seu lado. Cada um é único. Com seus defeitos e qualidades.
Com famílias e casais muitas vezes esse mal entendido é o início do fim.
Esperar que o outro seja diferente de sua essência inviabiliza qualquer relação. Mina a parceria. Cria pequenas rachaduras, discretas infiltrações que vão aparecendo aqui e ali nas cobranças diárias. Muitas vezes se acha mais prático nem notar, fingir que não vê. Mas elas estão ali. E tendem a aumentar.
A dinâmica é essa. Um demonstra seu carinho, mas não exatamente da forma esperada pelo outro. Então não é bem recebido. Esse tipo de expectativa vai cavando um abismo entre as pessoas. Reclamam as que presenteiam, porque se entregaram e não foram bem aceitas na forma como o fizeram. As que recebem, porque não reconhecem como presente aquilo que lhes foi dado. E continuam na falta, ressentidas, distantes. Muitos relacionamentos se desfazem assim. Fica cada um de um lado, ferido, magoado. Como se falassem línguas distintas, vão interrompendo a comunicação do amor. O que era para ser um pomar vira terreno baldio.
A relação vai se desfazendo ponto por ponto como uma trama de tricô rasgada. Um bordado que vai soltando a linha e desfazendo seu desenho original. O que era figura, agora se desfigura. O amor vai saindo aos poucos, pela porta da frente. Sem que nada seja feito ou percebido. Quando a porta bate, a ficha cai.
Mas, aí já foi. Muitas vezes, é tarde demais.

Relação é parceria. Cada um dá o que pode, o que tem. Cada um de uma forma própria saberá de falar do seu amor. Porque amor é rio, tem que desembocar em algum lugar. Onde? É preciso boa vontade em descobrir, mapear seus afluentes. Em vez de ficar esperando que venha só como a gente quer receber. Ou se fechar na espera vã de que o outro adivinhe nosso desejo. É preciso saber qual é a forma que cada um tem de demonstrar o que sente.
Plantação depende de boa parceria entre a terra e a semente. Que a terra se deixe fecundar. Que a semente confie para se abrir. Relacionamento é assim. É cuidado, investimento, coragem e paciência no tempo que leva para brotar.

Relação é bumerangue. O que você recebe é o retorno do que cultivou. É via de mão dupla. O que vai, em algum momento volta. É certo.
O pomar da vida funciona assim: Plantou doce, tem doce. Plantou cactos, tem espinho. Plantou comigo ninguém pode, tem veneno.
Seu pomar é o espelho da alma. Pense a respeito. Que árvore você é? O que você planta no seu jardim?

Monica El Bayeh