quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Solidão contente...



Ontem eu levei uma bronca da minha prima. Como leitora regular desta coluna, ela se queixou, docemente, de que eu às vezes escrevo sobre “solidão feminina” com alguma incompreensão.

Ao ler o que eu escrevo, ela disse, as pessoas podem ter a impressão de que as mulheres sozinhas estão todas desesperadas – e não é assim. Muitas mulheres estão sozinhas e estão bem. Escolhem ficar assim, mesmo tendo alternativas. Saem com um sujeito lá e outro aqui, mas acham que nenhum deles cabe na vida delas. Nessa circunstância, decidem continuar sozinhas.

Minha prima sabe do que está falando. Ela foi casada muito tempo, tem duas filhas adoráveis, ela mesma é uma mulher muito bonita, batalhadora, independente – e mora sozinha.

Ontem, enquanto a gente tomava uma taça de vinho e comia uma tortilha ruim no centro de São Paulo, ela me lembrou de uma coisa importante sobre as mulheres: o prazer que elas têm de estar com elas mesmas.

“Eu gosto de cuidar do cabelo, passar meus cremes, sentar no sofá com a cachorra nos pés e curtir a minha casa”, disse a prima. “Não preciso de mais ninguém para me sentir feliz nessas horas”.

Faz alguns anos, eu estava perdidamente apaixonado por uma moça e, para meu desespero, ela dizia e fazia coisas semelhantes ao que conta a minha prima. Gostava de deitar na banheira, de acender velas, de ficar ouvindo música ou ler. Sozinha. E eu sentia ciúme daquela felicidade sem mim, achava que era um sintoma de falta de amor.

Hoje, olhando para trás, acho que não tinha falta de amor ali. Eu que era desesperado, inseguro, carente. Tivesse deixado a mulher em paz, com os silêncios e os sais de banho dela, e talvez tudo tivesse andado melhor do que andou.

Ontem, ao conversar com a minha prima, me voltou muito claro uma percepção que sempre me pareceu assombrosamente evidente: a riqueza da vida interior das mulheres comparada à vida interior dos homens, que é muito mais pobre.

A capacidade de estar só e de se distrair consigo mesma revela alguma densidade interior, mostra que as mulheres (mais que os homens) cultivam uma reserva de calma e uma capacidade de diálogo interno que muitos homens simplesmente desconhecem.

A maior parte dos homens parece permanentemente voltada para fora. Despeja seus conflitos interiores no mundo, alterando o que está em volta. Transforma o mundo para se distrair, para não ter de olhar para dentro, onde dói.

Talvez por essa razão a cultura masculina seja gregária, mundana, ruidosa. Realizadora, também, claro. Quantas vuvuzelas é preciso soprar para abafar o silêncio interior? Quantas catedrais para preencher o meu vazio? Quantas guerras e quantas mortes para saciar o ódio incompreensível que me consome?

A cultura feminina não é assim. Ou não era, porque o mundo, desse ponto de vista, está se tornando masculinizado. Todo mundo está fazendo barulho. Todo mundo está sublimando as dores íntimas em fanfarra externa. Homens e mulheres estão voltados para fora, tentando fervorosamente praticar a negligência pela vida interior – com apoio da publicidade.

Se todo mundo ficar em casa com os seus sentimentos, quem vai comprar todas as bugigangas, as beberagens e os serviços que o pessoal está vendendo por aí, 24 horas por dia, sete dias por semana? Tem de ser superficial e feliz. Gastando – senão a economia não anda.

Para encerrar, eu não acho que as diferenças entre homens e mulheres sejam inatas. Nós não nascemos assim. Não acredito que esteja em nossos genes. Somos ensinados a ser o que somos.

Homens saem para o mundo e o transformam, enquanto as mulheres mastigam seus sentimentos, bons e maus, e os passam adiante, na rotina da casa. Tem sido assim por gerações e só agora começa a mudar. O que virá da transformação é difícil dizer.

Mas, enquanto isso não muda, talvez seja importante não subestimar a cultura feminina. Não imaginar, por exemplo, que atrás de toda solidão há desespero. Ou que atrás de todo silêncio há tristeza ou melancolia. Pode haver escolha.

Como diz a minha prima, ficar em casa sem companhia pode ser um bom programa – desde que as pessoas gostem de si mesmas e sejam capazes de suportar os seus próprios pensamentos. Nem sempre é fácil.

Ivan Martins

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Nós, os perdidos...


Gente envolvida com a espiritualidade oriental tem uma palavra bonita para falar de si mesmo. Eles se descrevem como buscadores – pessoas que procuram respostas para as angústias da existência através da contemplação. Os buscadores podem ser religiosos ou laicos, mas todos exibem a disposição de encarar a vida como uma jornada de transformação pessoal e compreensão do mundo. Essa jornada, invariavelmente, começa no momento em que cada um deles se descobre perdido. Considerando o quanto essa experiência é frequente, somos um planeta repleto de buscadores em potencial.

Sem a necessidade de consultar estatísticas, eu aposto que a maior tribo do mundo é formada por gente que está na vida sem ter noção do que fazer com ela ou consigo mesmo. São os perdidos. Eles podem ter rotinas, hábitos, obrigações e distrações, mas o senso de propósito e direção está ausente. Vivem um dia depois do outro e às vezes parecem avançar decididamente em alguma direção, mas é melhor não perguntar por quê. A pessoa pode desabar no choro. Quem é perdido - ou está perdido - tem sentimentos dolorosos e confusos.

Se essa descrição parece familiar demais, não se envergonhe: o mundo está cheio de gente como você, ainda que passem o dia fingindo que sabem para onde vão. Eu, por exemplo, me sinto perdido várias vezes por semana, e tudo indica que sou uma pessoa normal. Estar perdido ou sentir-se perdido parece ser parte da condição humana. Ninguém escapa.

Isso não quer dizer que seja gostoso. Todos se lembram da sensação infantil de soltar-se da mão da mãe na multidão. É horrível. Estar perdido na vida adulta pode reviver a mesma aflição. A gente olha em volta e não sabe para onde prosseguir. Não sabe nem para onde quer ir. Não há ninguém capaz de nos acolher e orientar. A confusão é assustadora e pode durar um tempo enorme. Ao contrário das crianças, os adultos não choram pedindo ajuda. E, mesmo quando o fazem, outros adultos não vêm correndo para abraçar e socorrer. Sentir-se sozinho parece ser parte inseparável da sensação de estar perdido.

Ainda bem que não é o fim do mundo. Embora o mundo adore os práticos e trate melhor quem avança em linha reta, a falta de rumo pode ser apaixonante. Seres humanos perdidos costumam ser transparentes e sinceros, além de surpreendentes. A fragilidade da sua condição lhes confere uma espécie de humanidade explícita, que pode ser muito sedutora. Se a pessoa não tem um plano detalhado para a própria vida, está aberta a grandes e pequenas aventuras. Pode viajar, pode se apaixonar, pode mudar de ideia radicalmente. Pode jogar tudo para o ar e começar do zero – em outro país, em outra companhia, em outra profissão, em outro plano.

Mesmo os moderadamente perdidos costumam ser mais interessantes do que os que andam pela vida com GPS ligado. Esses, francamente, costumam ser chatos, enquanto as pessoas que sofrem, hesitam e se confundem são capazes de despertar compaixão e empatia. É mais fácil amá-las – eu acho - porque a gente se percebe nelas. Elas verbalizam os medos que os outros escondem e fazem perguntas a si mesmas que os demais têm vergonha de fazer. Eu sou feliz? Eu tenha certeza? É realmente isso que eu desejo?

Quando a gente se envolve com gente assim, é convidado a entrar num mundo que sacode e suspira, e que, frequentemente, tem os olhos cheios de lágrimas. Nele há longas conversas noturnas, sexo apaixonado e necessidade de abraçar e cuidar. Existe também o risco de que amanhã cedo sua pessoa perdida se levante e anuncie a partida, movida por uma inquietação aguda e inefável que exige apenas uma coisa: mudança. O que fazer?

Tudo isso parece levemente insano, mas, num mundo estropiado como é o nosso, os perdidos podem estar certos. Como é possível ter clareza e direção em meio ao caos que nos circunda, lendo as coisas assustadoras que lemos nos jornais? Talvez haja algo de errado com quem não sente estar perdido e simplesmente avança, como se o mundo não estivesse chacoalhando ao redor. Os que têm certeza talvez sejam esquisitos.

Isso nos traz naturalmente de volta aos buscadores. Num mundo de mentiras e autoengano, eles são de alguma forma especiais, porque admitem estar sem rumo e desorientados. Fazem disso a sua plataforma de largada. É provável que, assim como o resto de nós, eles não cheguem a lugar nenhum - mas ao menos terão tentado. Não é certo que a vida faça sentido e que haja nela algum propósito. Mas tampouco é certo que seja o contrário. Talvez a vida seja aquilo que a gente escolhe fazer dela: um bolinho de arroz, um filho de cabelos crespos, um beijo no escuro da barricada.

Ivan Martins

domingo, 22 de novembro de 2015

Encontros...



O intervalo entre relações é um período de encontros. Conosco, em primeiro lugar, mas logo em seguida com o mundo. A gente está triste, (porque perdeu um grande amor), ou se sentindo esquisito, (porque todo fim deixa um gosto amargo), e nesse estado delicado começa a tropeçar nas pessoas.

Cruzamos com aquele rosto conhecido na livraria. Descobrimos um sorriso novo e atraente numa festa. Recebemos, por rede social, um agrado inesperado, vindo de alguém que admiramos de longe, faz um tempo.

Esses encontros são o melhor que pode nos acontecer nesse momento da vida. Eles nos lembram que há mais gente no mundo do que a pessoa que nos deixou ou a quem deixamos. Mostram que o nosso interesse pelos outros está vivo. Informam que somos capazes de provocar desejo e afeto nos demais.

Ao final de uma ruptura dolorida, a gente esquece que existe o futuro. Imagina que a dor e a solidão vão se perpetuar e que o vazio que nos assombra jamais será preenchido. Os encontros ocorrem para nos lembrar que não é assim.

Você está parado na fila do banco e, num impulso, puxa conversa com a pessoa ao lado. Ela se revela divertida, inteligente, tem um jeito gostoso. Você volta para casa com um novo número na agenda e uma possibilidade erótica ou romântica que, uma hora antes, não existia.

Isso só acontece com quem está disponível. Mergulhados na depressão da separação, não atentamos para o lado brilhante que ela nos apresenta: agora podemos, sem inibições, nos aproximar de gente que achamos atraentes. Ou permitir que gente que nos agrada se aproxime de nós.

Quantas vezes, durante uma relação, você não evitou pessoas interessantes porque rolava um clima? Agora não precisa mais ser assim. Você pode baixar a guarda e deixar a situação avançar ao sabor das circunstâncias. O limite é o seu desejo e a sua disposição de experimentar.

Tenho ouvido amigas preverem que esses encontros não acontecerão com elas. Dizem que não querem, que não estão prontas ou que são exigentes demais quanto às pessoas que escolhem. Curiosamente, é comum que as mesmas amigas revelem, semanas ou meses depois, que as coisas (vejam só!), aconteceram, e com gente totalmente inesperada: muito mais jovem, muito mais velha, ou sem qualquer conexão com o seu gosto anterior. Seus padrões de exigência foram subvertidos em contato com a realidade. Chamo isso de vida.

É claro que nesse período de descobertas teremos desilusões. Gente que nos agrada não terá o mesmo sentimento por nós. Ficaremos enamorados de pessoas que desejam apenas ser nossas amigas. Faremos sexo a procura de amor e não acharemos. Faremos sexo sem querer mais nada e machucaremos alguém. Mas isso faz parte. Somos adultos num mundo de adultos. Sabemos que há desencontros e que a vida às vezes dói.

O importante, eu acho, é estar aberto aos encontros. Um convite inesperado. Uma conversa despretensiosa. Um olhar. São várias as portas que levam as pessoas na direção uma da outra. Melhor não as fechar. Melhor permitir que esse momento de tristeza e descoberta que sucede a separação seja povoado por faces e sensações novas. Elas talvez não levem a nenhuma relação duradoura, mas, quem sabe? O importante é sair do escuro da melancolia e voltar à vida. Nós, como as mariposas, nascemos para viver perto da luz.

Ivan Martins

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Coragem...

    

“A pior coisa do mundo é a pessoa não ter coragem na vida.” Pincei essa frase do relato de uma moça chamada Florescelia, nascida no Ceará e que passou (e vem passando) poucas e boas: a morte da mãe quando tinha dois anos, uma madrasta cruel, uma gravidez prematura, a perda do único homem que amou, uma vida sem porto fixo, sem emprego fixo, mas sonhos diversos, que lhe servem de sustentação.

Ela segue em frente porque tem o combustível que necessitamos para trilhar o longo caminho desde o nascimento até a morte. Coragem.

Quando eu era pequena, achava que coragem era o sentimento que designava o ímpeto de fazer coisas perigosas, e por perigoso eu entendia, por exemplo, andar de tobogã, aquela rampa alta e ondulada em que a gente descia sentada sobre um saco de algodão ou coisa parecida.

Por volta dos nove anos, decidi descer o tobogã, mas na hora H, amarelei. Faltou coragem. Assim como faltou também no dia em que meus pais resolveram ir até a Ilha dos Lobos, em Torres, num barco de pescador. No momento de subir no barco, desisti. Foram meu pai, minha mãe, meu irmão, e eu retornei sozinha, caminhando pela praia, até a casa da vó.

Muita coragem me faltou na infância: até para colar durante as provas eu ficava nervosa. Mentir para pai e mãe, nem pensar. Ir de bicicleta até ruas muito distantes de casa, não me atrevia. Travada desse jeito, desconfiava que meu futuro seria bem diferente do das minhas amigas.

Até que cresci e segui medrosa para andar de helicóptero, escalar vulcões, descer corredeiras d’água. No entanto, aos poucos fui descobrindo que mais importante do que ter coragem para aventuras de fim de semana, era ter coragem para aventuras mais definitivas, como a de mudar o rumo da minha vida se preciso fosse. Enfrentar helicópteros, vulcões, corredeiras e tobogãs exige apenas que tenhamos um bom relacionamento com a adrenalina.

Coragem, mesmo, é preciso para terminar um relacionamento, trocar de profissão, abandonar um país que não atende nossos anseios, dizer não para propostas lucrativas porém vampirescas, optar por um caminho diferente do da boiada, confiar mais na intuição do que em estatísticas, arriscar-se a decepções para conhecer o que existe do outro lado da vida convencional. E, principalmente, coragem para enfrentar a própria solidão e descobrir o quanto ela fortalece o ser humano.

Não subi no barco quando criança – e não gosto de barcos até hoje. Vi minha família sair em expedição pelo mar e voltei sozinha pela praia, uma criança ainda, caminhando em meio ao povo, acreditando que era medrosa. Mas o que parecia medo era a coragem me dando as boas-vindas, me acompanhando naquele recuo solitário, quando aprendi que toda escolha requer ousadia.

Martha Medeiros

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Como você lida com seus medos???


Cada um tem um monstrinho para enfrentar. Talvez seja um vício, um medo, uma rejeição, qualquer coisa que gere o sentimento de querer fugir o mais rápido possível da situação. Existem aqueles que, para se defenderem, utilizam do ataque/agressividade (sabe aquela pessoa que se for colocada só um pouquinho contra a parede já vai cuspindo fogo e não admite de forma alguma falar sobre o assunto? É bem provável que seja um mecanismo de escapismo), enquanto que outras simplesmente evitam e evitam enfrentar a questão numa procrastinação tão grande que a vida fica de saco cheio da pessoa e coloca na frente dela o mesmo tipo de problema inúmeras vezes até que ela se obrigue a ser forte o suficiente para enfrentá-lo.

De acordo com o dicionário Michaelis, este conceito pode ser definido como:

Medo
(ê) sm (lat metu) 1 Perturbação resultante da ideia de um perigo real ou aparente ou da presença de alguma coisa estranha ou perigosa; pavor, susto, terror. 2 Apreensão. 3 Receio de ofender, de causar algum mal, de ser desagradável. sm pl Gestos ou visagens que causam susto.

Medo é aquele sentimento desagradável que fica agitando a mente ao ponto de nos fazer querer sumir, fugir o mais rápido possível. Medo é um dos mecanismos que tanto pode nos mover adiante ou nos paralisar para sempre. Imagine o seguinte: o medo de ficar sem dinheiro leva a maioria das pessoas a trabalhar; o medo de ficar sozinho pode ocasionar a procura por um/uma parceiro/parceira e o medo da morte faz muita gente cuidar da saúde. São alguns dos efeitos positivos, todavia, como qualquer coisa em excesso, o medo pode gerar fobias: medo de barata, avião, escuro, aranhas, lugares lotados, alguma pessoa ameaçadora, etc., causando não o impulsionamento, mas a paralisação, “travar” mesmo, seja mental ou fisicamente, seja surtar, chorar ou simplesmente ficar sem reação.

Pois bem. De qualquer forma, o medo pode ser visto não só como um sentimento que perturba o coração e que mexe com nossos hormônios, mas também como uma forma de enfrentarmos desafios. Isso. Vejamos o medo agora como um desafio. É claro que a nossa mente criará os PIORES CENÁRIOS POSSÍVEIS DAQUELA SITUAÇÃO, mas não enfrentá-la só aumentará o monstrinho interno do medo.

Sim, sua mente imaginará coisas absurdas. Sim, ela vai tentar te tirar daquela situação desconfortável o mais rápido possível porque o que nosso corpo e mente gostam mesmo é da zona de conforto (o lindo e aconchegante lugar no qual tudo é agradável, mas não propicia o auto-desenvolvimento). E você pode ter certeza de uma coisa: você pode até fugir ou evitar seu desafio de uma forma ou de outra, mas de alguma forma ele voltará para você em outra época, com outra roupagem ou contexto. Mas volta. E continuará te atormentando até que seja enfrentado de frente, uma vez que estamos aqui na Terra para o auto-crescimento (que não acontece se ficarmos só dentro da nossa cama quentinha e confortável no inverno).

Meus desafios, por exemplo, podem ser bobos, mas acabaram voltando. Fosse mudar as vestimentas, o paladar ou a aversão a trabalhar com números, cada uma destas pequenas coisinhas foi evitada ao máximo e agora voltaram com tudo para serem enfrentadas. E não tem jeito. O processo de se auto-desenvolver não é fácil, mas necessário. Eu tenho receio e a cada momento crio pequenas enormes tragédias na mente para o próximo medo com o qual eu deva lidar, mas não tem como evitar. Ou enfrenta ou enfrenta. Chega uma hora na vida que não dá mais para correr para as montanhas e só nos resta sermos fortes o suficiente seja para enfrentar medos e problemas gigantescos ou monstros internos da própria mente.

E eu tenho certeza de que você também conseguirá, uma hora ou outra, enfrentar seu medo.

Lado M

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Amar exige generosidade...



A vida exige destemor e desapego. Em algum momento temos de arriscar, saltar no escuro, avançar sem certeza do que vai pela frente. Sobretudo no amor. Se a gente pensa demais, hesita demais, pondera demais, não acontece. As oportunidades passam, a vida passa, sem que a gente se comprometa.

Do que é mesmo que estou falando? Das opções difíceis que as relações amorosas nos oferecem. Estou falando de sacrifício.

Cada pessoa que escolhemos nos faz um tipo de exigência subjetiva. Às vezes elas são simples – como namorar e ter uma vida leve, parecida com a nossa própria. Outras vezes as escolhas são menos óbvias – como ao amar alguém que traz uma dor, ou uma carga ser partilhada.

Tenho um amigo que, assim como tantos, casou-se com uma mulher que tinha dois meninos. Ele, sendo jovem e livre, poderia ter se esquivado, mas não. Abraçou a situação e tentou ser para os garotos o melhor padrasto possível. Gostar da mulher era fácil. Quando tudo deu errado, lá na frente, por outras razões, ele sabia que havia tentado verdadeiramente.

Eu estou cada vez mais convencido que não é possível viver um grande amor sem sacrifícios. Cedo ou tarde a necessidade dele se coloca. Então descobrimos do que somos feitos.

Se uma mulher tem filhos e isso parece trabalhoso para o homem, uma mulher sem filhos provavelmente gostará de tê-los – e essa situação não será mais confortável que a anterior. Um homem com filhos pode parecer um fardo para uma mulher jovem, mas qual o fardo de viver sem o homem que ela ama?

Tenho a impressão de que vivemos acorrentados à nossa zona de conforto. Nos acostumamos a estar seguros e tranquilos. Viramos contumazes egoístas. Não abrimos mão da liberdade, do sossego, do espaço, do dinheiro, do corpo bem cuidado. Mas, neste caso, o que exatamente vamos dar ao outro, além da nossa companhia?

Conheço uma moça que se casou com um rapaz que é filho único de pais apegados – e de uma classe social diferente da dela. Ela poderia, sedutora como é, erguer uma barreira e separar gradualmente o marido dos pais, para não ser incomodada. Mas não é o que ela faz. Outro dia, saiu em viagem com o marido e os sogros, por mais de duas semanas. Quando eu perguntei onde ela achava energia, a resposta foi simples: “Comprei o pacote. Se eu não fizer isso, o homem que eu amo vai ficar infeliz”. Faz sentido, não faz?

O que não faz sentido é uma vida confortável e vazia.

Cada vez que a gente se abre verdadeiramente para o outro, corre o risco de ser envolvido pelo drama da vida dele. Problemas de saúde. Depressão. O pai que bebe. A irmã maluca. É mais fácil estender um cordão sanitário em volta de si mesmo – ou do seu casamento estagnado – e evitar com unhas e dentes qualquer coisa que atrapalhe. Mas isso, de forma muito clara, significa renunciar a viver. Ou, pelo menos, a viver aspectos essenciais da sua própria existência.

Nós somos filhos dos nossos temores, porém. Fomos educados pelo medo. A perspectiva da alegria brilha menos do que a lembrança do infortúnio. Por isso somos cautelosos e egoístas. Por isso deixamos que o futuro passe ao largo sem esboçar um gesto para detê-lo. Depois nos queixaremos, velhotes, que a vida não trouxe nada fora do cardápio. Quando ofereceu, recusamos.

Melhor seria se nos deixássemos levar pela mão do amor a circunstâncias novas e misteriosas. Seríamos mais felizes se pudéssemos amar o outro tão profundamente que as mesquinharia ficassem para trás como malas inúteis. Se pudéssemos fazer com que as necessidades do outro fossem parte da nossa vida, seríamos como um. Ou quase.

Como se chega a isso? Não sei. Perdemos a fórmula, se algum dia ela existiu. Agora teremos de improvisar e descobrir. Certamente, não adianta afirmar, a todo momento, as nossas prioridades, as nossas necessidades e os nossos medos. A vida exige coragem. E amar exige generosidade.

Ivan Martins

terça-feira, 7 de julho de 2015

As vezes não conseguir o que queremos é uma tremenda sorte...

                             

        Existe uma história indiana que conta que um rapaz procurou um grande guru buscando ajuda e disse a ele que só havia escuridão à sua volta e que, portanto, ele não conseguia enxergar um palmo à frente do seu nariz. Foi então que o guru disse a ele que, na realidade, só havia luz ao redor dele, mas ele não percebia porque estava com os olhos fechados. O rapaz não compreendeu as palavras do guru que o mandou embora pra casa, dizendo que não havia nada que poderia ser feito para ajudá-lo, pois ele era o único que podia controlar suas próprias pálpebras. Meu pai simplifica essa história com o costume de dizer que alguém no fundo do poço – agarrado a uma pedra que ama – não pode ser resgatado por ninguém.

       Nesse mesmo contexto, uma piada, dessas infames, conta que o diabo estava muito frustrado com Deus, pois mesmo as pessoas mais miseráveis o amavam; foi então que Deus contou seu segredo: ele apenas dava a elas o que elas pediam e, dessa forma, sua infelicidade era única e exclusivamente culpa delas mesmas. Dalai Lama explica essa piada com maestria: “às vezes, não conseguir o que você quer é uma tremenda sorte”. Irônico? Alanis já dizia que sim; como aqueles bons conselhos que só descobrimos que eram bons quando já estávamos em um avião em queda-livre em plena quinta-feira chuvosa.

      A vida tem dessas coisas e às vezes, quando a gente cospe pra cima o escarro realmente cai na nossa testa; assim, como quando você se apaixona por quem disse que jamais amaria ou acaba sustentado pela mesmíssima área que sempre disse que nunca trabalharia. A verdade é que ninguém faz a menor ideia do que está fazendo e que quase todo mundo não tem o menor alcance nem disso, nem de que não está sozinho nessa.

      A realidade é que está todo mundo segurando sagradamente alguma pedra dentro do seu próprio poço, e mesmo assim, fica desesperado quando vê alguém que ama insistindo em não abrir as próprias pálpebras e enxergar a luz que você vê. Todo mundo segurando suas convicções com prazo de validade vencido; é muita gente se agarrando a aquela pedra que, por exemplo, mantém pessoas incríveis insistindo em relacionamentos extremamente problemáticos apenas para não abrirem mão de um amor que se prova diariamente insuficiente e destrutivo.

      Dá pra entender, afinal é mesmo muito difícil, às vezes arrasador, abrir mão da nossa querida pedra; de planos que fizemos e das coisas e pessoas que queremos e amamos. Isso sem falar no nosso orgulho ferido. É tão difícil, tão difícil, que preferimos ser infelizes a desistir. Quase como quando gastamos uma fortuna em um sapato que é lindo, mas acaba com o nosso pé, e então fazemos questão de continuar utilizando até a sola furar ou nosso pé encher de bolhas só de birra. É difícil pra caramba se questionar, mas é necessário: será que não é melhor perder o dinheiro do que perder o pé? Será que o que o nosso orgulho vale mais que nosso alívio, nossa alegria e nosso bem-estar? Vale mais do que admitir pra gente – e pros outros – que gastamos uma grana num sapato que, no fundo, não foi bom pra gente? Será que admitir nossa humanidade e falibilidade nos faz menores? Já diriam os sábios que a nossa felicidade está onde acaba o nosso ego.

      Mas como vencer nosso ego num mundo regido por egos? Como admitir nosso fracasso num livro feito para publicar vitórias? Como vencer nossa vaidade num mundo onde a felicidade é regra e a infelicidade é doença? A verdade é que Álvaro de Campos estava certo quando disse que é muito difícil ser humano ao lado de semi-deuses. É muito difícil levar porrada quando todos que você conhece têm sido campeões em tudo.

      Talvez a resposta esteja além dos deuses. Eu tenho quase certeza que está além da nossa compreensão. Só sei que é necessária a coragem de tentar ser transparente num mundo onde a privacidade se esvai pelos dedos enquanto a verdade íntima fica, muitas vezes, opaca. É necessária a coragem de entender que a felicidade e a infelicidade são igualmente necessárias e apenas vividas pelos que têm a coragem de falhar e continuar tentando. Afinal, se “perde-se também é caminho”, então desistir também tem que ser.

      Fica, portanto, a esperança e o desejo de que possamos nos perder mais, e também desistir mais e sempre que for preciso pra poder recomeçar; desistir pra poder mudar de rota, de vida, de amor e de hábitos; desistir pra desistir da pedra que nos prende ao fundo do posso; desistir pra finalmente abrir os olhos e enxergar a luz.

      Que tenhamos a coragem de desistir e que essa coragem de sermos falhos traga consigo plenitude e felicidade; porque desistir também é um caminho e, as vezes, é o melhor. “Isn’t it ironic?”

Kéren Carvalho



domingo, 28 de junho de 2015

Orfandades...




Quem ama cuida. Quem ama não se ausenta e nem se esquiva. Quando as coisas ficam difíceis, estica a mão, oferece o ombro, abraça e conforta. Quem ama se faz presente, não sai do ar. Às vezes se sacrifica. O amor tem uma cláusula de irrevogabilidade. Se foi revogado não é amor. Já era.

Se isso lhe parece antigo, tem razão. As coisas não são mais assim. A modalidade de amor que praticamos é mais amena. Está ligada ao nosso futuro, à nossa carreira, a certa ideia de conforto e sucesso. É contingente. Virou uma forma de realização pessoal e social, não sentimento pelo qual pagamos um preço. Pelo amor não sacrificamos nada, só recebemos.

Desculpem se pareço triste, mas percebo ao meu redor - e dentro de mim - uma sensação pesada de orfandade, ligada à transitoriedade das coisas. Fui ver na internet e descobri que a palavra "órfão" vem do grego orphanos, que significa, literalmente, "privado" ou "desprovido". Não nos sentimos privados de proteção e carinho? Não estamos desprovidos da sensação de aconchego que torna a vida aprazível? Tudo a ver.

Sinto, na verdade, que vivemos orfandades simultâneas e múltiplas. A mesma tristeza que a morte dos pais provoca - a orfandade original - espalhou-se pela vida. Quando os amores terminam, quando os empregos acabam, quando as amizades estremecem, quando a família se afasta, nos sentimos da mesma forma: expostos e desprotegidos, solitários, à mercê do mundo... feito uma criança. Essas são as nossas orfandades.

Alguém dirá que sempre foi assim. Não creio. Havia no passado camadas de proteção entre o mundo e cada um de nós. Éramos parte de algo maior que nos abrigava. Hoje estamos sozinhos, ou quase. Há nosso amor, mas ele pode faltar. Existe a família, mas ela se resume a pais e filhos - um núcleo pequeno e frágil que pode a qualquer instante implodir. No trabalho, somos lutadores solitários. Em que parte do mundo nos juntamos a nossos iguais e nos sentimos parte de um todo? Nenhuma. Onde fica o oásis de paz e tranquilidade? Não há.

As relações afetivas já foram esse oásis, não são mais. Trocamos segurança por verdade e aventura. Somos deixados, trocados, esquecidos, superados. Assim como deixamos, trocamos, esquecemos, superamos. Muitas vezes. Tantas vezes. Tudo é intenso e provisório. Nada está assegurado. Não podemos realmente contar com isso. O que é sólido se desmancha no ar (para usar uma frase famosa) e avançamos - de cabeça erguida, em meio às nossas múltiplas orfandades, colhendo o riso e o gozo que se oferecem, retribuindo com a nossa alegria (que não morreu, hiberna apenas).

Estamos à espera de tempos melhores. Depois do inverno, o verão. Depois da noite, o sol. Ao vazio do nosso luto - qualquer que seja a sua causa - sucederá a plenitude. Reencontraremos o amor, a direção, a unidade refeita com o mundo e com nós mesmos. Um amor virá depois do outro, e com ele a vida nova. Enquanto isso, a melancolia. O intervalo terrível. Enquanto isso, o frio.

Há que ter paciência, portanto. Com os nossos sentimentos. Com a vida que escolhemos viver. Há que sentir-se órfão antes de recomeçar e renascer.

Ivan Martis

quarta-feira, 17 de junho de 2015

A crise dos 30...




                          


Talvez seja apenas uma experiência pessoal, mas eu duvido. Ao redor de mim, sinto que outros homens são forçados a lidar com a mesma perplexidade: as mulheres se aproximam dos 30 anos e, repentinamente, tudo começa a mudar.

Outro dia, conversando com uma moça dessa idade, ela contou que nos meses anteriores havia rompido com o homem com quem morava, viajado para a Índia, mudado de emprego e de profissão e encontrado uma nova forma de viver, baseada na meditação e no autoconhecimento.

"Meu namorado achava que estava tudo bem, mas não estava", diz ela. "Eu estava em ebulição, sentada no sofá ao lado dele". Ela não tinha certeza sobre o que desejava, mas sabia que tinha de sair e procurar. Foi o que fez, diante do olhar atônito do parceiro. Não voltou mais.

O senso comum costuma relacionar esse comportamento - e essa crise - a uma única palavra: maternidade. Na curva dos 30, as moças começariam a ouvir o tic-tac do relógio biológico e passariam, mesmo de forma inconsciente, a avaliar seus relacionamentos e suas vidas na perspectiva de uma sala de parto. Ou, na frase imortal de uma ex-namorada minha, "se o cara não quiser ter filho, não dou nem beijo na boca".

Tenho certeza que a maternidade é coisa importante e que para muitas mulheres ela constituirá o centro palpitante das preocupações a partir de certo momento da vida. Mas não acredito que isso valha para todas. Nem acho que a maternidade resuma as ansiedades que afligem as mulheres quando se aproximam dos 30. Muitas deixam parceiros que querem casar e ter filhos porque não desejam isso. Não com eles, ao menos.

Honoré de Balzac - cujo romance A mulher de trinta anos ajudou a criar o termo balzaquiana - achava que os 30 anos marcavam "o ápice poético da vida das mulheres". O que ele queria dizer com isso? Nada muito elogioso.

Júlia, sua personagem principal, tomada pela insatisfação conjugal (e existencial, eu diria) envolve-se em sucessivos romances adúlteros que acabam por destruí-la. Balzac, é bom lembrar, escreveu há quase 200 anos. Naquele tempo, uma mulher infeliz deveria conformar-se com a sua sorte. Ou, sendo muito atrevida, correr atrás de um homem que lhe oferecesse outra existência. Não havia possibilidade de aventurar-se sozinha.

Se vivesse hoje em dia, Júlia mandaria o casamento às favas, faria uma grande viagem, mudaria de vida e de emprego e talvez achasse no processo um homem com quem quisesse ter um filho. Ou não. O romantismo da personagem de Balzac poderia ser vivido apenas como sexo e procriação. Hoje, o romantismo feminino pode tomar qualquer forma: revolução existencial, divórcio, reinvenção profissional, aventura ou mesmo maternidade.

Tudo isso, porém, são reações. Mais importante, eu acho, é o motivo que está por trás delas desde o tempo de Balzac - a crise dos 30.

Na minha experiência, o que acontece com as mulheres ao redor dos 30 anos é o surgimento de um limite que antes não estava lá. A data marca simbolicamente o fim da juventude e o começo irrevogável da idade adulta. Há grandes decisões a serem tomadas. Filhos é uma delas, mas não só. Existe a carreira. O estilo de vida. A relação com o parceiro. Os planos de morar fora. As ambições que serão adiadas, esquecidas ou abraçadas. Existem várias maneiras de ser mulher e é preciso escolher uma delas.

Em comparação, a vida dos homens parece linear. As escolhas são simples. Ainda não existe, culturalmente, muitas maneiras de ser homem. Há uma só. Escolhemos a profissão, mergulhamos no trabalho, achamos uma mulher e nos juntamos a ela. Às vezes temos filhos, outras vezes, não. Mas a vida segue, sem sobressaltos. Aos 30, aos 40, aos 50 anos. As crises masculinas são externas, induzidas pelo desemprego, pela doença, pelo fim dos relacionamentos.

As mulheres, como muitos já sentiram na pele, têm crises autônomas, alimentadas por suas próprias aspirações. Pela sua poesia, diria Balzac. Ela provoca erupções silenciosas e decisões intempestivas. O romantismo - num sentido amplo, e não somente erótico - carrega as mulheres para fora dos namoros, dos casamentos, dos empregos e dos países. Há nelas um desejo amplo de realização que nos homens parece estar simplificado na combinação de trabalho e família. É como se nós já soubéssemos o que a vida nos reserva, enquanto as mulheres precisariam descobrir do zero como viver as suas - e os 30 anos assinalam um momento dramático de definição.

Muitas mulheres, lendo isso, rirão das minhas especulações. Homens angustiados e complexos tampouco irão se reconhecer nesse desenho simplificado. Seres humanos diferem, naturalmente. Um homem pode ter mais em comum com uma mulher do que com outros homens. Naturalmente. Mas isso não impede que haja tendências e histórias que se repetem através dos anos, e a crise feminina por volta dos 30 é uma delas.

Como homem, o que fazer diante dessa crise? Não sei. Como agir se ela atingir a mulher que você ama? Eu bem que gostaria de saber.

O que eu acho - apenas acho - é que honestidade e conhecimento de si mesmos são essenciais. Na hora do pânico e da solidão, somos capazes de gestos heroicos que não significam nada. São pirotecnia emocional vazia. Espetáculos para nós mesmos. As perguntas essenciais diante da crise da parceira são simples de elaborar e difíceis de responder com franqueza:

. Aquilo que você deseja é semelhante ao que ela parece desejar? Muitas vezes não é o caso.
. Você gosta da pessoa em que ela está se transformando? Frequentemente, não.

. O que você pode oferecer (como ser humano e companheiro, não como provedor) é suficiente para fazê-la feliz? Você me diga, leitor.

Às vezes, mesmo em situações que nos são caras, não podemos fazer nada além de declarar nosso amor e torcer. A crise dos 30 talvez seja uma delas. Você vê a mulher que você ama afastar-se e torce para que ela volte. Se isso for impossível, tenta desejar que ela seja feliz. O que mantém as pessoas apaixonadas através do tempo e das crises - nós sabemos - são projetos e planos comuns. Na ausência deles, existe apenas o nosso sentimento. Ele é lindo, mas não basta. Não diante de uma mulher em ebulição.

Ivan Martins

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Janelas de oportunidade...


 

O amor, como tantas outras coisas, depende de oportunidades. A pessoa que hoje vira do avesso a minha vida, em outro momento poderia ter passado sem ser notada. Bastaria que houvesse alguém ocupando meus sentimentos. Ou satisfatoriamente a minha cama. Eu estaria indisponível aos apelos dela - e um caminho possível da nossa história seria fechado, antes mesmo de começar.

Acho que ainda não se escreveu suficientemente sobre a importância das janelas de oportunidades. Elas aparecem simultaneamente na vida de duas pessoas e tornam os encontros possíveis. Ou não aparecem, e nada se materializa. Um fica parado diante do outro, mas o tempo não oferece uma passagem que os ligue.

No passado, aquela pessoa me quis, mas eu estava envolvido com outro alguém. Quando o envolvimento terminou e olhei em volta, quem me queria não estava mais só. Aquilo que talvez pudesse acontecer não aconteceu. Faltou a janela. Foi preciso esperar outra volta do destino. Em alguns casos ela veio. Em outros, não. É assim. Certos romances não se concretizam. Vibram na memória apenas como possibilidade, para sempre.

Quando a gente fica mais velho, as coisas tornam-se mais complicadas. Os envolvimentos já não duram semanas ou meses. Frequentemente duram anos. As janelas de oportunidade são raras. Se você gosta de alguém que se casou, vai ter de esperar um tempo enorme para que o trem passe de volta. E talvez ele nunca passe.

Há também o complicador do luto. Você está discretamente feliz porque aquela mulher – ou aquele homem – finalmente saiu de uma relação deteriorada que durava anos. Agora, finalmente, ela – ou ele – está disponível para conhecer melhor você e seus sensuais sentimentos. Só há um problema, que se revela na primeira hora de conversa: a pessoa está mortalmente triste. Arrasada mesmo. Topa sair, conversar, beber. Como está carente, pode haver até sexo, mas talvez fosse melhor evitar. Nesse momento de luto e confusão sentimental, o ser humano habita um espaço emocional peculiar onde as coisas acontecem mas, de alguma forma, não são inteiramente registradas. Ou devidamente apreciadas. Suas oportunidades com ela – ou com ele – podem ser queimadas pela precipitação do contato. Ao contrário do que parece, a janela não está realmente aberta.

Por essa razão e por outras, talvez não valha a pena esperar demais pelas janelas de oportunidade dos outros. O dia de amanhã é insondável e o coração das pessoas, também. Hoje, comprometida, a Fulana parece muito interessada em você. Amanhã, separada, ela solenemente o ignora. Acontece o tempo todo, assim como o contrário. Não há garantias.

Melhor construir o futuro com o material inesperado do presente. Gente nova. Novas oportunidades. Se uma janela antiga se abrir, olharemos para o seu interior cuidadosamente. Se ela jamais se apresentar, contaremos que a tarde nos traga uma surpresa. A vida, afinal, é o que acontece enquanto fazemos planos. Melhor deixar-se arrebatar.

Nosso coração, porém, tem suas manias. Às vezes, é inevitável desejar o que desejamos. Se aquela criatura é tão fascinante, se tê-la nos braços é o que você espera há tanto tempo, não tenha medo – mergulhe na janela de oportunidade e faça o possível.

Convide, cultive, coloque-se com carinho e com clareza. Faça a sua parte com empenho. Se não der certo, vire a página. Isso é muito, muito importante. Ao fechar uma janela, você sinaliza ao universo que espera por outra. Ao virar as costas, permite que a sua própria janela se abra novamente. Quem gira e resmunga ao redor dos outros, não abre espaço para nada. Quem entende e sai, consente que a vida recomece.

Neste universo dominado pelo tempo e pelas circunstâncias que ele cria, os gestos são fundamentais. Gestos claro de aproximação e de afastamento. Eles constroem a sorte. Fazem com que as janelas se transformem em oportunidades concretas. Permitem que o amor deixe de ser uma possibilidade latejante no futuro para se tornar algo presente. Não sabemos quando o destino vai nos abrir uma janela, mas nos cabe decidir, agora, o que fazer diante dela.

Ivan Martins

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Não gosta de mim? Só lamento!

Passaram os fogos, a ceia, o ano velho. E, sinceramente, tirando os quilos que ganhei nas comemorações, não noto diferenças na minha pessoa. O espelho, mau como o da madrasta da Branca de Neve, não me poupa críticas. Nem olho mais. E da empoeirada lista de metas de 2014, não mais que uns três itens riscados.

Minha meta para 2015 é um 2015 sem meta. Não me faltam objetivos, nem sonhos. Muito menos desejos. Tenho baús cheios de tudo isso. Me falta é ação.

Listas de metas não têm resolvido meu caso. Meta de ano novo é como lista de mercado. Você entra cheia de gás e necessidades. Na pressa esquece um monte de coisas e sempre sai sem o que precisava. Já acabou de sair de um mercado cheio e lembrou do que esqueceu de comprar? Ó dor.

Em todo caso, um ano começa de novo. Se o ano pode, por que não eu? Posso! Recomeçarei também. Não mudo de nome, como ele faz: 2014 para 2015. Até que não seria má ideia. Mas gosto do meu nome, estou acostumada com ele, as pessoas já me conhecem. Trocar documentos, nem pensar.

Sigo com o mesmo nome. Trocarei, sim, de atitudes, de decisões, de prioridades. Trocarei de cores, de sonhos. Ou não! Se forem bons para continuar comigo, permanecerão.

Trocarei de freio. Tenho freios defeituosos que empacam no meio do caminho. Ainda não sei se sou eu ou eles, mas ando tendo dificuldades. Travo, medro, não resolvo, não desembaralho. Como velha mula, empaco e fico.

Trocarei meus amortecedores que batem mais forte do que deveriam nas estradas da vida. As decepções me doem, os erros me rasgam, tenho torcicolos de mal-entendidos. Sem falar da dor nas costas das mágoas antigas que carrego na mala. Basta! Preciso de mais suavidade e mansidão comigo.

Trocarei a engrenagem das portas que rangem dolorosamente para que entre o novo e saia o que não presta mais.

Trocarei minha estridente buzina que, impaciente, reclama muito mais do que deveria. Uma boca fechada ajuda muito. Paciência é uma virtude admirável que na hora H, eu sempre descubro que ainda não desenvolvi o suficiente.

Trocarei o cinto de segurança. Porque, às vezes, é preciso se lançar e ele trava. Amarrada pelo medo e pelas falsas seguranças, eu fico. Quero me jogar mais livre nas oportunidades que a vida, tão generosa, me traz. E acelerar, com vento na cara no ano de 2015, 16, 17...

Não são metas, não gosto delas. É só manutenção do veículo. Revisão mecânica das engrenagens emocionais. E, dessa vez, quem sabe, eu acorde e bote a fila dos sonhos para andar.

Trocarei o GPS que se guia pela opinião alheia. Quero seguir meu coração. Minhas intuições que já estão roucas de tanto gritar e eu não escuto. Serei eu. No mais profundo eu que eu possa ser em mim mesma. E feliz, por que me atendi no que era importante.

Quem não gostar? Só lamento! Quem reclamar? Sorrio por fora. Dou careta por dentro e sigo!

Careta para os caretas. Talvez essa seja uma boa meta para 2015. Vou pensar.

Mônica Raouf