sábado, 31 de dezembro de 2011

O Ano-Novo..



O frenesi dos últimos dias de um ano é tamanho que parece que se trata do fim de uma era. Como se nas badaladas da meia-noite do dia 31 de dezembro o mundo fosse simplesmente acabar levando com ele tudo de ruim, e ao primeiro minuto do dia primeiro de janeiro surgisse um novo tempo perfeito, de acordo com as expectativas de todos.
        O que será que faz as pessoas sentirem que tudo pode ser diferente simplesmente pelo fato do fim de um ano e início de outro? Será que existe a ideia de que possa haver uma combinação cósmica dos astros que fará o mundo girar diferente liberando alguma substância capaz de mudar o que não podem fazer por si só? Pode ser. Mas o que fica esquecido, ou talvez não lembrado, é que a cada dia nasce uma nova oportunidade de fazer acontecer. Não é preciso esperar o primeiro de janeiro.
        O Ano-Novo, tão comemorado e saudado, não acabará com as dificuldades nem tão pouco trará o milagre das soluções. As esperanças não precisam se prender a ele. As respostas não virão com a mudança de calendário, elas estão dentro e não fora, e não será a chegada de um novo ano que fará com que sejam encontradas.
        A vida é mutável, não dá trégua, o tempo passa dolorosamente rápido podendo trazer a dor do desperdício das oportunidades não vividas, mas também a possibilidade de ser feito o que ainda não foi e de mudar o que não agrada. E assim a vida passa sem esperar, mas renovada e dando a mão a quem coragem e força tiver para correr sem hesitar, porque ela não espera, ela vive.
        O primeiro de janeiro é só mais uma etapa da jornada que se inicia a cada raiar do dia, mas não se acaba no anoitecer, apenas descansa para renascer no novo amanhecer. Feliz de quem sabe ver e sentir a oportunidade que a vida dá a cada minuto vivido. Mas quem tem que esperar o início de cada ano para começar a viver, corre o risco de permanecer no eterno e angustiante aguardo, porque até resolver o que fazer o ano já ficou velho e terá que esperar pelo próximo.
        O ser humano é verdadeiramente sábio quando vive cada minuto de seu tempo como se o último ele fosse, porém com a intensidade da durabilidade eterna.
        Que venha o novo ano com toda sua esperança e planos, mas que o frescor e o viço da juventude proveniente dos que têm muito tempo pela frente não se acabem com o passar dos dias e dos meses, que dure eternamente, sendo renovado a cada momento vivido e fortalecendo os que ainda estiverem por vir.

Bia Tannuri 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O que acontece no meio...



Vida é o que existe entre o nascimento e a morte. O que acontece no meio é o que importa.
No meio, a gente descobre que sexo sem amor também vale a pena, mas é ginástica, não tem transcendência nenhuma. Que tudo o que faz você voltar pra casa de mãos abanando (sem uma emoção, um conhecimento, uma surpresa, uma paz, uma ideia) foi perda de tempo. 
Que a primeira metade da vida é muito boa, mas da metade pro fim pode ser ainda melhor, se a gente aprendeu alguma coisa com os tropeços lá do início. Que o pensamento é uma aventura sem igual. Que é preciso abrir a nossa caixa preta de vez em quando, apesar do medo do que vamos encontrar lá dentro. Que maduro é aquele que mata no peito as vertigens e os espantos.
No meio, a gente descobre que sofremos mais com as coisas que imaginamos que estejam acontecendo do que com as que acontecem de fato. Que amar é lapidação, e não destruição. Que certos riscos compensam – o difícil é saber previamente quais. Que subir na vida é algo para se fazer sem pressa. 
Que é preciso dar uma colher de chá para o acaso. Que tudo que é muito rápido pode ser bem frustrante. Que Veneza, Mykonos, Bali e Patagônia são lugares excitantes, mas que incrível mesmo é se sentir feliz dentro da própria casa. Que a vontade é quase sempre mais forte que a razão. Quase? Ora, é sempre mais forte. 
No meio, a gente descobre que reconhecer um problema é o primeiro passo para resolvê-lo. Que é muito narcisista ficar se consumindo consigo próprio. Que todas as escolhas geram dúvida, todas. Que depois de lutar pelo direito de ser diferente, chega a bendita hora de se permitir a indiferença.
Que adultos se divertem muito mais do que os adolescentes. Que uma perda, qualquer perda, é um aperitivo da morte – mas não é a morte, que essa só acontece no fim, e ainda estamos falando do meio. 
No meio, a gente descobre que precisa guardar a senha não apenas do banco e da caixa postal, mas a senha que nos revela a nós mesmos. Que passar pela vida à toa é um desperdício imperdoável. Que as mesmas coisas que nos exibem também nos escondem (escrever, por exemplo).
Que tocar na dor do outro exige delicadeza. Que ser feliz pode ser uma decisão, não apenas uma contingência. Que não é preciso se estressar tanto em busca do orgasmo, há outras coisas que também levam ao clímax: um poema, um gol, um show, um beijo.
No meio, a gente descobre que fazer a coisa certa é sempre um ato revolucionário. Que é mais produtivo agir do que reagir. Que a vida não oferece opção: ou você segue, ou você segue. Que a pior maneira de avaliar a si mesmo é se comparando com os demais. Que a verdadeira paz é aquela que nasce da verdade. E que harmonizar o que pensamos, sentimos e fazemos é um desafio que leva uma vida toda, esse meio todo.

 Martha Medeiros

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Ama é para poucos...



A capacidade de amar, assim como a coragem ou a inteligência, não é do mesmo tamanho em todos nós. Eu sou forçado a lembrar disso todo vez que converso com S., uma amiga de Brasília que é, possivelmente, a mulher mais apaixonada do mundo.
Quando falamos, na semana passada, ela estava em preparativos para um novo casamento. Conheceu o rapaz há poucos meses, está profundamente envolvida e, sem temor aparente, se prepara para iniciar uma vida comum. Não é a primeira vez que ela faz isso e é provável que não seja a última, mas, assim como no passado, avança para o casamento com a convicção tranquila de que, se alguma coisa der errada, não será por falta de amor, lealdade e dedicação da parte dela.
Ao contrário da minha amiga, que tem uma facilidade até exagerada de se vincular, muitos de nós sofremos do oposto: uma enorme dificuldade em criar ligações profundas e verdadeiras. O sintoma mais comum é que vivemos atormentados por dúvidas sobre a intensidade e a profundidade dos nossos sentimentos. Quem tem uma conexão emocional profunda não se pergunta a todo o momento se deveria seguir em frente ou tentar com outra pessoa. 
Muitos acham difícil construir mesmo essa ponte precária em direção aos outros. Há pessoas para quem o ato de se entregar emocionalmente nem existe. Elas sentem-se de alguma forma isoladas mesmo sendo parte de um casal. Gostam, compartilham, respeitam, transam intensa e prazerosamente, mas não se sentem vinculadas. Há uma barreira invisível de privacidade que jamais é rompida. Persiste a sensação de que o outro é fundamentalmente um estranho. A delícia de sentir-se íntimo, que na minha amiga é natural como respirar, nunca foi experimentado de forma duradoura por milhões de pessoas.
Quando penso em mim e nas pessoas que conheço intimamente, me parece que existe uma progressão que vai dos apaixonados incondicionais às pessoas que não conseguem se vincular – e que a maioria de nós se encontra emocionalmente em algum ponto entre esses dois extremos. Temos graus variáveis de dificuldade para amar e sair de nós mesmos, mitigados por períodos de entrega e arrebatamento.
De qualquer forma, a ideia de que somos todos iguais diante do amor, e que a única dificuldade está em encontrá-lo, me parece falsa – ou pelo menos exagerada. Postos diante da possibilidade do amor, uns não conseguirão reconhecê-lo e outros terão impulso de afastar-se. Poucos serão capazes de abraçá-lo assim que ele virar a esquina. Somos diferentes também nisso.
Se pensarmos na dificuldade de se vincular como um problema, ele talvez seja mais comum entre os homens (embora eu conheça mulheres que também preferem manter-se a uma distância emocional segura). Quantos caras você conhece que trocam periodicamente de parceiras sem estabelecer um vínculo real com qualquer uma delas? Esse tipo de comportamento pode ser tanto o resultado de uma opção social quanto de uma deficiência emocional. Talvez haja alguma verdade no clichê rancoroso sobre “homens incapazes de amar”.
As causas dessas dificuldades são, para mim, insondáveis, mas me parece óbvio que o caos interior e a ansiedade em que boa parte de nós vive não ajuda a gostar de ninguém. Como criaturas tão atormentadas por seus próprios demônios conseguiriam reunir a atenção e a generosidade que o amor exige? É fácil proclamar-se apaixonado ou apaixonada a cada esquina, de forma imaginária e histérica. Mas manter um afeto duradouro na vida real exige mais do que pirotecnia e rock and roll. Exige sentimentos profundos que alguns de nós não são capazes de oferecer.
As consequências da dificuldade de amar são óbvias. A primeira é o sofrimento que ela impõe aos parceiros. É duro lidar com alguém que não está 100% ali. É chato confrontar-se com a hesitação de quem não sabe o que sente. Dói lidar com a aspereza de quem não consegue se colocar na pele do outro – ou não permite que o outro entre sob a sua própria pele.
É evidente, também, que gente com dificuldade em se entregar não tem relações satisfatórias. Para que elas existam, os laços afetivos têm de estar ancorados em algo mais sólido do que os nossos desejos imediatos, que variam de um dia para o outro. Mas a criação de laços duradouros não se faz por um ato de vontade. É preciso ser capaz de gostar, amar e confiar. É preciso sentir-se parte de algo – e alguns de nós, muitos de nós, não conseguem sentir-se parte de coisa nenhuma.

Ivan Martins

sábado, 26 de novembro de 2011

Medo de amar?

Parece absurdo, com tantos outros medos que temos que enfrentar: medo da violência, medo da inadimplência, e a não menos temida solidão, que é o que nos faz buscar relacionamentos. Mas absurdo ou não, o medo de amar se instala entre as nossas vértebras e a gente sabe por quê.

O amor, tão nobre, tão denso, tão intenso, acaba. Rasga a gente por dentro, faz um corte pro...fundo que vai do peito até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque de repente uma terceira pessoa surgiu ou simplesmente porque não há mais interesse ou atração, sei lá, vá saber o que interrompe um sentimento, é mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina só de um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um antes do outro, e vai um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a iniciativa de romper, porque romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre traumático. Além do amor existe a amizade que permanece e a presença com que se acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de grande responsabilidade, é uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e em si próprio, ainda que com menos gravidade.

E ter o amor rejeitado, nem se fala, é fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a alma, quase desejamos uma violência qualquer vinda da rua para esquecermos dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse assalto em que nos roubaram tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e estabilidade. Sem o amor, nada resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido, músicas idiotas nos fazem chorar dentro do carro.

Passa a dor do amor, vem a trégua, o coração limpo de novo, os olhos novamente secos, a boca vazia. Nada de bom está acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem pensar. Medo, respondemos.

Que corajosos somos nós, que apesar de um medo tão justificado, amamos outra vez e todas as vezes que o amor nos chama, fingindo um pouco de resistência mas sabendo que para sempre é impossível recusá-lo.

Martha Medeiros - By Gardênia

Aprendendo a viver...


Aprendi que se aprende errando.
Que crescer não significa fazer aniversário.
Que o silêncio é a melhor resposta, quando se ouve uma bobagem.
Que trabalhar significa não só ganhar dinheiro.
Que amigos a gente conquista mostrando o que somos.
Que os verdadeiros amigos sempre ficam com você até o fim.
Que a maldade se esconde atrás de uma bela face.
Que não se espera a felicidade chegar, mas se procura por ela.
Que quando penso saber de tudo ainda não aprendi nada.
Que a Natureza é a coisa mais bela na Vida.
Que amar significa se dar por inteiro.
Que um só dia pode ser mais importante que muitos anos.
Que se pode conversar com estrelas.
Que se pode confessar com a Lua.
Que se pode viajar além do infinito.
Que ouvir uma palavra de carinho faz bem à saúde.
Que dar um carinho também faz…
Que sonhar é preciso.
Que se deve ser criança a vida toda.
Que nosso ser é livre…
Que Deus não proíbe nada em nome do amor.
Que o julgamento alheio não é importante.
Que o que realmente importa é a Paz interior.

“Não podemos viver apenas para nós mesmos. Mil fibras nos conectam com outras pessoas; e por essas fibras nossas ações vão como causas e voltam pra nós como efeitos.”

Herman Melville

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O que interessa...



Não me interessa o que você faz para ganhar a vida.
Quero saber o que você deseja ardentemente, se ousa sonhar em atender aquilo pelo qual seu coração anseia.
Não me interessa saber a sua idade.
Quero saber se você se arriscará a parecer um tolo por amor, por sonhos, pela aventura de estar vivo.
Não me interessa saber que planetas estão em quadratura com a sua lua.
Quero saber se tocou o âmago de sua dor, se as traições da vida o abriram ou se você se tornou murcho e fechado por medo de mais dor!
Quero saber se pode suportar a dor, minha ou sua, sem procurar escondê-la, reprimi-la ou narcotizá-la. Quero saber se você pode aceitar alegria, minha ou sua; se pode dançar com abandono e deixar que o êxtase o domine até a ponta dos dedos das mãos ou dos pés, sem nos dizer para termos cautela, sermos realistas, ou nos lembrarmos das limitações de sermos humanos.
Não me interessa se a história que me conta é a verdade.
Quero saber se consegue desapontar outra pessoa para ser autêntico consigo mesmo, se pode suportar a acusação de traição e não trair a sua alma. Quero saber se você pode ver beleza mesmo que ela não seja tão bonita todos os dias, e se pode buscar a origem de sua vida na presença de Deus. Quero saber se você pode viver com o fracasso, seu e meu, e ainda, à margem de um lago, gritar para a lua prateada: ‘Posso!’
Não me interessa onde você mora ou quanto dinheiro tem.
Quero saber se pode levantar-se após uma noite de sofrimento e desespero, cansado, ferido até os ossos, e fazer o que tem de ser feito pelos filhos.
Não me interessa saber quem você é e como veio parar até aqui.
Quero saber se você ficará comigo no centro do incêndio e não se acovardará.
Não me interessa saber onde, o quê, ou com quem você estudou.
Quero saber o que o sustenta a partir de dentro, quando tudo o mais desmorona.
Quero saber se consegue ficar sozinho consigo mesmo e se, realmente, gosta da companhia que tem nos momentos vazios.

Oriah - Montain Dreamer (Sonhador da Montanha)

sábado, 12 de novembro de 2011

Pra viver um grande amor...

É preciso abrir todas as portas que fecham o coração.
Quebrar barreiras construídas ao longo do tempo,
Por amores do passado que foram em vão
É preciso muita renúncia em ser e mudança no pensar.
É preciso não esquecer que ninguém vem perfeito para nós!
É preciso ver o outro com os olhos da alma e se deixar cativar!
É preciso renunciar ao que não agrada ao seu amor…
Para que se moldem um ao outro como se molda uma escultura,
Aparando as arestas que podem machucar.
É como lapidar um diamante bruto…para fazê-lo brilhar!
E quando decidir que chegou a sua hora de amar,
Lembre-se que é preciso haver identificação de almas!
De gostos, de gestos, de pele…
No modo de sentir e de pensar!
É preciso ver a luz iluminar a aura,
Dando uma chance para que o amor te encontre
Na suavidade morna de uma noite calma…
É preciso se entregar de corpo e alma!
É preciso ter dentro do coração um sonho
Que se acalenta no desejo de: amar e ser amada!
É preciso conhecer no outro o ser tão procurado!
É preciso conquistar e se deixar seduzir…
Entrar no jogo da sedução e deixar fluir!
Amar com emoção para se saber sentir
A sensação do momento em que o amor te devora!
E quando você estiver vivendo no clímax dessa paixão,
Que sinta que essa foi a melhor de suas escolhas!
Que foi seu grande desafio… e o passo mais acertado
De todos os caminhos de sua vida trilhados!
Mas se assim não for…
Que nunca te arrependas pelo amor dado!
Faz parte da vida arriscar-se por um sonho…
Porque se não fosse assim, nunca teríamos sonhado!
Mas, antes de tudo, que você saiba que tem aliado.
Ele se chama TEMPO… seu melhor amigo.
Só ele pode dar todas as certezas do amanhã…
A certeza que… realmente você amou.
A certeza que… realmente você foi amada.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 29 de outubro de 2011

Fogo precisa de ar...



Quantos enganos são cometidos pela idéia do amor romântico. Duas metades que se completam; se ele não for eu não vou; se pintar desejo por outro é porque acabou o amor; ” eu não vivo sem voce” e por aí vai. Vai pro espaço o ar e fica o sufoco, o controle, o desejo reprimido pela culpa. Vai embora o encanto, o mistério, o prazer. E muitas vezes fica o prazer mas perde-se o amor, o companheirismo, a alegria de estar junto.
Acredita-se que a fusão do casal seja a realização desse sonho idealizado, tão alimentado pelos nossos contos de fada. Tudo terá que ser feito a dois, partindo do princípio de que cada um é apenas uma metade, que só se completará através do outro. Dissolve-se a identidade de cada parceiro, exatamente aquilo que foi o encanto, a atração. Falta o ar. O fogo arrefece e apaga. Fogo precisa de ar.
Não encontraremos a perfeição. Sequer encontramos tudo o que queremos e desejamos em uma única pessoa. Enfim, não temos respostas prontas, nem modelos.
Sem script precisamos criar. E a criação exige liberdade, espontaneidade, ousadia. Auto-estima.
Ninguém pode ser para o  outro a única fonte de interesse e prazer. E para saber o que me desperta o interesse e o prazer, preciso olhar para mim. Tudo se inicia a partir de se saber inteiro, mesmo que sempre haja um outro tanto a desvendar. Porque também para que nos mantenhamos apaixonados por nós precisamos do mistério, da dúvida, da eterna busca. Precisamos ser inteiros, plenos, livres, para que nossa alma receba sempre o frescor de novos ares. Em um jogo de esconde-revela, em que o véu areja o ar de que o fogo tanto precisa para queimar.
Lindo processo de ser cada vez mais o que somos e sermos capazes de despertar no outro e em nós mesmos
a paixão de viver.

Carla Andrea Ziemkiewicz

sábado, 22 de outubro de 2011

O outro que há em nós...



Todo mundo tem ex, mas nem todos se relacionam com elas (ou eles) da mesma maneira. Boa parte dos homens ao meu redor, por exemplo, parece se dar excepcionalmente bem com as mulheres do passado deles. Falam com elas, jantam com elas, vão a festas com elas. Eu não. Há duas ex que são importantes com quem eu não troco palavra e outras tantas que eu permiti que sumissem. Para meu azar. Se cada uma das pessoas do passado conta um pedaço da nossa vida, há vários pedaços de mim que se perderam.
Quando se fica muito tempo com a mesma pessoa, sobretudo quando se é muito jovem, ocorre uma troca imensa e transformadora. Quem teve namoros longos na adolescência sabe como é. A gente cresce, aprende e se forma sob o olhar do outro, com a influência dele. Há o jeito de transar, o jeito de gostar, o jeito de pensar e conversar. Os valores. Somos esponjas e nos embebemos de quem está tão perto num período tão crucial.
Logo depois, na juventude, ocorre coisa semelhante. Você dá passos essenciais na vida – termina a faculdade, arruma o primeiro emprego, vai morar junto – em companhia de alguém que influencia e partilha as suas escolhas. Os amigos estão lá, claro. A família nunca deixa de ser importante. Mas é essa namorada (ou namorado) que divide intimamente os primeiros eventos da vida adulta, quando estamos aprendendo quem somos e o que queremos. A pessoa ao lado ajuda a moldar nossas definições.
Isso vale para os períodos posteriores da vida. Os nossos parceiros são parte essencial de tudo. Viajam conosco, riem conosco, trabalham conosco, cuidam de nós. Quem me deu aquele livro? Quem me apresentou aquela banda? Quem estava comigo na noite em que morreu aquele amigo? Ninguém pode dimensionar o valor das tardes de encantamento que as pessoas amadas nos deram. Ninguém sabe o quanto elas são importantes.
Uma das minhas teorias (descartáveis) sobre o amor é que apenas o tempo nos permite avaliar sua real importância. A pessoa passa pela nossa vida de um jeito rápido, quase acidental, e, anos depois, por força das memórias que insistem em voltar, a gente percebe que ela sobrevive em nós, apesar de ter estado tão pouco tempo conosco. Já aconteceu comigo. Sei que acontece com os outros. Isso significa que não apenas os longos relacionamentos que têm importância. Os outros também podem ser essenciais.
Vista de um jeito triste, a vida é uma longa enumeração de perdas, mas algumas delas são totalmente desnecessárias. É como se não soubéssemos como o tempo e os afetos são importantes e saíssemos por aí desperdiçando.
“Fulana, com quem eu vivi entre os 25 e os 30 anos, dane-se ela. Brigamos na hora de dividir as coisas na separação e nunca mais nos falamos.” Lá vai um bloco da sua vida que se tornou inacessível. “Sicrano é um crápula. Nós rompemos e logo depois ele saiu dando em cima das minhas amigas. Não sei como eu pude ficar tanto tempo com um babaca desses.” Eis outro pedaço da vida deletado. “Tenho saudades daquela garota, ela é tão legal, mas eu sumi sem falar nada, porque a Beltrana era ciumenta, e agora tenho vergonha de ligar. Já passou tanto tempo”. Péssimo, não?
Por isso, cuidado ao jogar pela janela relações valiosas. Cuidado ao descartar pessoas queridas. Não há tantas delas assim numa única vida. E cada uma delas leva consigo um pedaço da história da nossa história.
Isso não quer dizer que a gente não tenha de fazer rupturas e avançar. As coisas acabam para que outras coisas comecem. Tem gente que não termina nada, que tenta deixar todas as portas abertas, manter todas as linhas de telefone funcionando. Não dá. É preciso haver silêncio e afastamento. Há que permitir que as coisas terminem e que os sentimentos se reciclem. Então, sim, as pessoas podem voltar a se relacionar, de outro jeito.
Quando estamos apaixonados e levamos um pé na bunda, temos a tendência, muito humana, de querer ficar por perto, “como amigo”. Mentira. Todo mundo já fez isso, mas é bobagem. Dói muito e não adianta nada. Quanto termina, a gente tem de cair fora. A amizade virá depois, quando as sensações mútuas forem outras.
Há quem defenda a teoria de que relações de amizade entre gente que se amou são impossíveis. É outro jeito de dizer que relações erotizadas serão assim para sempre. Eu não acho. Os sentimentos, como a água, correm e vão parar em outro lugar. Eles tomam outra forma. A atração e o desejo não desaparecem inteiramente, mas se integram a outro contexto. Exacerbam o carinho por aquela pessoa que já foi tão próxima. Criam uma camada de compreensão que não existe em outras relações. Depois que o amor e a dor ficaram para trás, permanece um afeto contaminado pela antiga intimidade. Eu gosto desse sentimento, aprendi que ele é uma parte boa da vida, sei que é mais gostoso, infinitamente mais doce, que o vazio das relações que se extinguiram – que nós permitimos que se extinguissem.

Ivan Martins

sábado, 15 de outubro de 2011

Para quem você liga?



O telefone tocou logo cedo. Era a namorada, chorando. Tivera uma noite de sono ruim, chegara ao trabalho cansada e dera de cara com um problema sério, que parecia insolúvel. Bateu o desespero e ela ligou. Conversamos. Não havia o que fazer além de se acalmar e tentar resolver o caso. Disse isso a ela, juntei umas palavras de carinho e a ligação terminou de forma tranquila, uns minutos depois. Ela só precisava desabafar.
 O significado dessa história cotidiana me parece da maior importância: é essencial ter alguém para quem ligar quando estamos aflitos, tristes ou perdidos. É fundamental ter com quem falar quando o mundo a nossa volta desmorona ou parece hostil e desanimador. Mesmo quando estamos felizes diante de uma notícia inesperada, ou de algo por muito tempo aguardado, temos necessidade de falar, contar, dividir. Para quem você liga nessas horas?
 Nós damos uma importância enorme – e merecida – ao erotismo e ao romantismo nas nossas relações. Essas coisas são mesmo essenciais. Mas há outro componente na vida dos casais, igualmente fundamental, para o qual a gente nem sempre dá o devido valor. É a função de conforto e aconchego que o outro tem na nossa vida. É a proteção, ainda que subjetiva, que ela ou ele nos oferece. Quem ocupa essa posição detém uma das chaves da nossa existência. A pessoa para quem a gente faz a primeira ligação é uma pessoa essencial.
 Faz algum tempo, uma amiga minha foi assaltada na porta da casa dela. A experiência foi assustadora, claro. Ela entrou no prédio apavorada, abriu a porta do apartamento chorando e correu para o telefone. Mas, em vez de ligar para o namorado, ligou para um colega do trabalho. Não foi pensado. Foi um impulso. Ela chamou a pessoa que ela gostaria de abraçar, a pessoa de quem precisava naquele momento. Só depois, quando a conversa com o colega acabou, ela se lembrou de ligar para o namorado. “O que isso significa sobre a minha relação com esses dois homens?”, ela me perguntou, uns dias depois. Eu achei que nem precisava responder. Significa, não?
Os telefonemas que a gente faz na hora do perrengue são reveladores. Eles exibem nossas conexões profundas, até mesmo as lealdades inconfessáveis. Se você acabou uma relação, mas ainda gosta da mulher, vai perceber um minuto depois de bater o carro. É para ela que você vai ter vontade de ligar. Se você conseguiu um tremendo emprego, não vai contar para o bonitão que conheceu no bar na semana passada. Vai ter vontade de ligar para o sujeito que sabe como isso é importante para você. E quando a gente bebe e fica insuportavelmente romântico e sentimental? Numa hora dessas, ninguém liga para pessoas estranhas. Comoção a gente divide com gente de confiança. Somos ridículos apenas com quem nos conhece muito bem. 
Claro, nós não ligamos para uma única pessoa na vida. Temos vários interlocutores, para diferentes situações. Às vezes precisamos da franqueza de um amigo, outras vezes do apoio incondicional da mãe ou de um irmão. Quando os filhos crescem é gostoso dividir com eles coisas importantes, assim como ouvi-los em casa de dúvida. Quanto maior for essa agenda essencial, quanto maior o número de pessoas para quem se possa dar um telefonema íntimo, melhor. A minha impressão, porém, é que mesmo a família acolhedora ou amizades sólidas não substituem a cumplicidade de uma parceira emocional. Ter alguém especial para quem ligar faz toda a diferença – sobretudo quando as coisas parecem estar caindo sobre a nossa cabeça.
Na única vez que eu estive na China, anos atrás, houve um terremoto. Acordei com a cama sacudindo e percebi, apavorado, que o quarto inteiro do hotel tremia. Eu estava acima do 20º andar e pude ver o mundo balançando pela moldura da janela. Não recomendo a experiência. A coisa durou alguns terríveis segundos e cessou de repente. Alívio. Minha primeira reação, sentindo que tinha escapado da morte, foi sentar na cama e ligar para a ex-mulher, que estava no Brasil. Ela ouviu por três segundos e me interrompeu com uma ordem: “Larga esse telefone e corre pra rua! Pode ter outro terremoto logo em seguida!” Era uma criatura prática… Eu tinha ligado para dizer o quanto ela era importante, mas nem foi preciso. O ato de telefonar já dizia tudo, mesmo que eu não tivesse aberto a boca.

Ivan Martins

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Amor Adulto...


O amor é sempre um mistério. É único, singular.
Razões , tais como as entendemos, não explicam e nada dizem sobre o porquê amamos uma pessoa. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, tratando-se de amor adulto e saudável, não é absolutamente gratuito e abnegado, do tipo incondicional, que se sente pelos pais e filhos.
Em uma relação amorosa existe um caldeirão em que se misturam diversos ingredientes e a reciprocidade é a colher que permite a burilação de todos eles.  Sem ela, tudo desanda, queima, perde o sabor.
Entre tantas pessoas, dois olhares se cruzam e algo acontece. Pode ser apenas um momento efêmero.
Pode ser o início de um encontro, de um namoro, de uma paixão.
E /ou de um grande amor.
Ou de um desencontro, de um engano, de uma decepção. De uma ilusão criada pela sua desesperada ânsia em vestir no sapo as vestes de um príncipe.
Como saber? Serenamente… vivendo, conhecendo, percebendo.
Desbravando esse universo desconhecido em que se constitui o outro e esse novo par do qual você faz parte.  Porque não basta estar atento ao parceiro, mas também a voce, ao que ele te desperta.  Se ao seu lado você  se sente pleno, se deseja ser alguém melhor do que foi até então,  se consegue imaginar passar horas jogando conversa fora ou no mais silencioso diálogo, em que palavras são dispensáveis… E uma doce ternura parece abraçar seu coração quando seu pensamento ou seu olhar subitamente o alcança.
Como sabiamente disse Guimarães Rosa: “o real se dispõe é no meio da travessia”
Respeite o tempo. Saboreie a travessia.

 Carla Andrea Ziemkiewicz

domingo, 9 de outubro de 2011

Tempo Amigo...


Todas as coisas tem seu tempo, e quase sempre não conseguimos entender isso.
Queremos que o tempo seja o nosso, enquadrando-o no espaço das nossas aflições e ansiedades. Atropelando tempo atropelamos vida. Violentamos sonhos que poderiam ter sido reais, não fosse a nossa destemperança.
Tempo é aliado não inimigo. É ele que permite a maturação, o desabrochar da verdade.
Porque ao tempo a verdade se rende, se revela, seja qual for a sua cor ou suas vestes. À ele a verdade se desnuda, se entrega irremediavelmente…
As mentiras contadas ao outro e à nossa consciencia não vencem à prova do tempo. Os enganos com os quais nos deixamos iludir são frágeis cristais que os bons ventos temporais fazem derrubar.
Subverter as demandas do tempo é torná-lo sagaz inimigo a devorar vida, sonhos e esperanças.
Para usufruir do momento de provar os melhores vinhos, foi necessário a sabedoria e paciência de preparar o solo, até colher as melhores e mais saborosas uvas.

Carla Andrea Ziemkiewicz

sábado, 1 de outubro de 2011

O Tempo do Amor...

Olhar parado, a mente viajando por lugares distantes, o trabalho que não rende, a escola que fica em segundo plano, o interesse pelos velhos amigos que diminui, e sobretudo, a vontade intensa de ficar perto de quem está longe, não, não há dúvidas, isso é o amor...
No início, o sentimento de posse se torna forte, quase uma obsessão, queremos ver, ter, tocar, beijar, ficar e amar muito, longos papos pelo telefone, e-mails apaixonados, declarações e juras, assim se revela a conquista, aquele jogo do amor, que no fundo, no fundo, é um jogo de interesses pessoais onde ambos querem viver intensamente esse sentimento mágico.

Parece que o grande vilão do amor é o tempo, é o conhecimento que acaba fazendo com que as pessoas se revelem como verdadeiramente são, após a conquista, onde cada um é um ator, cada um representa o seu melhor papel, mostrando as qualidades que nem sempre possuem, e é no dia a dia, na convivência após os beijos demorados, que o príncipe vira sapo, e a princesa, apenas uma perereca...

Se por um lado, o tempo pode acabar com algumas ilusões que nos permitimos nos momentos de maior carência, é justamente esse tempo que parece faltar para os relacionamentos de hoje, onde tudo é fast-food, é preparado no microondas, é enviado via Satélite, conversa-se pelo Skype, envia-se a foto pelo celular, fala-se pelo teclado no MSN, mas o principal, o que é realmente gostoso e importante que é o bom e velho papo olhos nos olhos, está ficando para trás.

Tudo bem, viver um romance instantâneo deve ser legal, deve fazer bem para o ego, mas, é como a comida do microondas, fica cozida rapidamente, mas nem se compara ao velho forno do fogão, e fica melhor ainda no fogão de lenha, que é mais lento ainda, mas quem disse que na gastronomia e no amor, a pressa é a melhor amiga dos resultados?

Não se perca em pensamentos de solidão, não se apresse em encontrar alguém, nem queira entregar seu coração ao primeiro que piscar diferente, dê tempo ao tempo, conheça a pessoa e procure se conhecer, seja exigente sim, afinal de contas, o que está em jogo é a sua felicidade, e isso, faz toda a diferença.

Martha Medeiros

Kit básico de sobrevivência...

Aprendi coisas importantes nessa vida. É como se fosse um kit básico de sobrevivência.
Nunca sinta vergonha daqueles que te dão valor. Mostre-os ao mundo.
Com certeza você já amou alguém que fez com que seu mundo caísse e com certeza o valor que você deu foi muito superior ao que recebeu. Não se preocupe, isso acontece. É regra.
Mas quando você tá no chão, achando que não tem mais jeito e que tudo tá perdido, de repente acontece o que não é de se esperar, você passa a não ver apenas os pés passando por seus olhos, mas também uma mão te levantando e dizendo que vai ficar tudo bem. Essa pessoa não liga se você tá sujo, cego e não se importa se você não tem estrutura pra se reerguer. Ela acredita em você e quer te ver de pé. É um momento difícil e seu único pensamento deve ser você mesmo. Cuide do seu jardim para que venham as borboletas e, quando elas chegarem, não as escondam porque em um mundo preto e branco elas são as únicas coloridas. Balance seus pés em um penhasco mas não olhe para baixo, olhe em frente, logo o sol nasce outra vez e tudo ficará colorido. O amor pode demorar a chegar mas aos poucos ele há de aparecer, enquanto isso curta as borboletas fazendo cócegas em sua barriga. E tenha a certeza de que tudo ficará bem.

Karen Barros

domingo, 25 de setembro de 2011

DOR FÍSICA X DOR EMOCIONAL

 O maior medo do ser humano, depois do medo da morte, é o medo da dor. Dor física: um corte, uma picada, uma ardência, uma distenção, uma fratura, uma cárie. Dor que só cessa com analgésico, no caso de ser uma dor comum, ou com morfina, quando é uma dor insuportável. Mas é a dor emocional a mais temível, porque essa não tem medicamento que dê jeito. Uma vez, conversando com uma amiga, ficamos nessa discussão por horas: o que é mais dolorido, ter o braço quebrado ou o coração? Uma pessoa que foi rejeitada pelo seu amor sofre menos ou mais do que quem levou 20 pontos no supercílio? Dores absolutamente diferentes. Eu acho que dói mais a dor emocional, aquela que sangra por dentro. Qualquer mãe preferiria ter úlcera para o resto da vida do que conviver com o vazio causado pela morte de um filho. As estatísticas não mentem: é mais fácil ser atingida por uma depressão do que por uma bala perdida. Existe médico para baixo astral? Psicanalistas. E remédio? Anti-depressivos. Funcionam? Funcionam, mas não com a rapidez de uma injeção, não com a eficiência de uma cirurgia. Certas feridas não ficam à mostra. Acabar com a dor da baixa auto-estima é bem mais demorado do que acabar com uma dor localizada. Parece absurdo que alguém possa sofrer num dia de céu azul, na beira do mar, numa festa, num bar. Parece exagero dizer que alguém que leve uma pancada na cabeça sofrerá menos do que alguém que for demitido. Onde está o hematoma causado pelo desemprego, onde está a cicatriz da fome, onde está o gesso imobilizando a dor de um preconceito? Custamos a respeitar as dores invisíveis, para as quais não existem prontos-socorros. Não adianta assoprar que não passa. Tenho um respeito tremendo por quem sofre em silêncio, principalmente pelos que sofrem por amor. Perder a companhia de quem se ama pode ser uma mutilação tão séria quanto a sofrida por Lars Grael, só que os outros não enxergam a parte que nos falta, e por isso tendem a menosprezar nosso martírio. O próprio iatista terá sua dor emocional prolongada por algum tempo, diante da nova realidade que enfrenta. Nenhuma fisgada se compara à dor de um destino alterado para sempre.

Martha Medeiros

sábado, 24 de setembro de 2011

Você tem inveja de quem??


A constatação é inevitável: há sempre alguém mais alto, mais bonito ou mais inteligente do que cada um de nós.
Na infância a gente descobre, sem prazer nenhum, que a criança ao lado parece atrair todas as atenções. Na adolescência há o cara, ou a menina, por quem metade da escola é apaixonada. Mesmo na vida adulta – quando a racionalidade deveria nos ajudar – o drama continua e se amplia. O terreno da competição (e da dor) tornou-se maior: aquele sujeito é promovido todo ano, aquela outra arruma um namorado por mês, fulano é adorado por todo mundo, sicrana viaja todo ano para lugares incríveis… A coisa não para. Sempre haverá um motivo, sempre haverá alguém para nos causar inveja.
Dentro dos relacionamentos não é diferente. Eu consigo pensar, com base nos meus próprios e mesquinhos sentimentos, em pelo menos duas maneiras pelas quais a inveja pode se meter na vida dos casais – uma externa, bem óbvia, e outra interna, na qual se presta menos atenção.
A situação óbvia é a inveja pelo parceiro do outro.
Você está lá, em paz com o seu quinhão, mas o seu amigo ou amiga aparece com uma pessoa nova, extremamente atraente e sedutora. Você fica feliz por ele ou por ela? Talvez. Mas é possível que você reaja humanamente, passando a olhar de forma crítica o seu próprio parceiro ou parceira, que, até ontem, fazia você feliz. De tanto desejar o namorado ou a namorada do outro – que pernas, que sorriso, que jeito gostoso – você acaba achando a sua ou o seu sem graça. Sente impulsos de arrumar para você mesmo alguém igualmente atraente, charmoso ou inteligente.
Isso se chama inveja. Detona a relação, estraga a sua cabeça e, rigorosamente, não tem solução: sempre vai aparecer alguém acompanhado de uma pessoa encantadora. Mais bonita, mais jovem ou mais bem sucedida do que aquela ao seu lado. Se você não aprender a ficar sereno com as suas escolhas, vai competir (e perder), o tempo inteiro.
A situação que eu descrevi acima é muito comum entre os homens. Não apenas por que somos competitivos – e, potencialmente, mais superficiais que as mulheres –, mas por sermos grandes mentirosos. Os homens exageram muito a própria felicidade para impressionar o resto do bando. Sobretudo quando se trata de sexo. O sujeito começa a sair com uma nova mulher e “reclama”, repetidamente, que não consegue mais dormir de tanto transar. Para o cara ao lado, que está num relacionamento estável e esqueceu como ele mesmo costumava exagerar essas histórias, fica a impressão, dolorosa e falsa, de que todos vivem como faunos e apenas ele tem vida sexual ou afetiva medíocre. Há que tomar cuidado com as palavras dos outros.
A outra situação em que a inveja atrapalha é quando ocorre no interior dos casais.
Às vezes é duro aceitar o sucesso ou as virtudes da pessoa de quem a gente gosta. De alguma forma, eles nos ofendem e nos inferiorizam. Em vez de celebrar as realizações da pessoa de quem estamos próximos, nos ressentimos delas. Sem admitir. Isso acontece em vários terrenos.
É muito comum ver homens magoados com o sucesso da mulher deles. A vida dele não andou como ele gostaria, a da namorada vai de vento em popa, o sujeito fica infeliz. Vai se tornando amargo, ressentido, às vezes até agressivo. Começa a detonar a parceira, como se não houvesse mérito – apenas sorte e privilégio – no que ela obteve. Isso é comum sobretudo entre casais que se formam no trabalho. Uma carreira decola, a outra não. O bode vem morar na sala.
Outras vezes, a inveja no interior do casal é provocada por coisas subjetivas. Nós podemos ter inveja do temperamento, do caráter ou da inteligência do outro – mesmo que eles não se transformem em dinheiro ou reconhecimento material. Algumas pessoas têm uma nobreza que outras não têm. Coragem para agir ou sentir de forma intensa, por exemplo. Traços de personalidade são muito perceptíveis quando estamos próximos de alguém. São eles que verdadeiramente definem uma pessoa, para além da aparência ou das circunstâncias sociais.
No início, essas qualidades (ou mesmo defeitos) atraem de maneira inequívoca. Mas, depois algum tempo, se não desenvolvermos em nós mesmos traços que nos despertem admiração, se não crescemos,sobrevém certo cansaço das virtudes do outro, uma impaciência crescente com aquilo que sabemos ser admirável. Disciplina vira chatice. Honestidade parece grosseria. Integridade não passa de teimosia. Inteligência se transforma em pedantismo. Dignidade é apenas soberba. Humor nos parece frivolidade. Leveza? Irresponsabilidade. No fundo, podemos estar tomados pela inveja do que o outro é e nós gostaríamos, inutilmente, de ser.
Minha impressão, em resumo, é que a inveja não tem limites e seus efeitos são extremamente subestimados nas relações íntimas.
A gente pode ter inveja da beleza ou da juventude do parceiro. Pode ter inveja da desenvoltura sexual dele ou dela. Seres humanos têm inveja (que se confunde com ciúme) do passado das pessoas de quem gostam. Podemos ter inveja do futuro dele ou dela, um sentimento esquisito e doloroso. Quem não sentiu inveja da família do outro, do sono profundo do outro, do filho ou filha linda que ele tem? Eu já. Suponho que vocês também. A inveja faz parte da vida. Está no ar como o amor. Enxergá-la e lidar conscientemente com ela – em vez de ser movido por ela sem perceber – faz parte do nosso aprendizado. Aquele aprendizado que começou na infância, quando o garoto da carteira da frente, e não você, recebeu um afago da professora.

Ivan Martins

domingo, 18 de setembro de 2011

Apaixonar-se é possível...


Por que as pessoas se apaixonam? Nos últimos dias eu tenho pensado nisso: por que algumas pessoas, e não outras, nos cativam? Homens e mulheres são atraídos uns pelos outros o tempo inteiro, por diversas razões. Umas pessoas são bonitas, outras são sensuais, algumas têm carisma. Mas poucas causam impacto. Por alguma razão, a graça desaparece e com ela o desejo de rever.
Essa é a regra nas grandes cidades: tentativa e erro. Aquilo que os cínicos chamam de mercado e os pessimistas de selva. Outro dia alguém me disse um nome novo: prateleira. Acabou o namoro, estava na prateleira. Tipo sucrilhos.
As mulheres se queixam disso. Sentem-se usadas. O sujeito se esforça em seduzir, é todo gentilezas, desdobra-se em safadezas e, dias depois – às vezes, horas ou minutos depois – veste a calça e some para nunca mais ser visto.
Tudo isso parece premeditado. Mas eu posso atestar, tendo ouvido centenas de depoimentos espontâneos, que o homem está sinceramente empolgado quando faz a corte. Mas a empolgação desaparece, o desejo passa, uma mistura de culpa e chateação aflora. É hora de ir embora. Às vezes, porém, muda o roteiro. Nessas raras ocasiões os homens têm vontade de ligar e dizer coisas doces. O sujeito – ou a mulher – se põe a fazer planos inconfessáveis de tão precoces. Na hora do sexo, se pega dizendo romantismos. Esses são sinais de sentimentos duradouros. Pode ser o começo de um romance. A explicação simplista para o fenômeno é a química. A pele e o temperamento se combinariam para formar uma conexão. Mas eu não acredito nisso. Ao longo da vida as pessoas se envolvem com parceiros totalmente diferentes entre si. A qual química teria de ser muito flexível ou inteiramente mutável.
Prefiro acreditar em momento. A cada período da existência nós queremos algum tipo de coisa, que ganha a forma de uma pessoa. Pode ser ternura, pode ser firmeza, pode ser racionalidade ou maluquice. Provavelmente é uma combinação de qualidades e defeitos que formam uma receita de felicidade: você foi feita pra mim, a gente tem vontade de dizer.
E foi mesmo, não? Entre 6 bilhões de pessoas, num mundo cheio de gente, lá está ela, totalmente única. Para este momento da vida, seu sorriso. Para este momento da vida, sua delicadeza. Para este momento, a sensualidade dos seus pés quando me tocam. É o que se pode desejar. É bom. É frágil. É sobre isso que se constrói.

Ivan Martins

sábado, 10 de setembro de 2011

Encontro com o passado...



Nem sempre o passado provoca nostalgia. Às vezes, dar de cara com ele só traz alívio.
O sujeito está lá, feliz com a sua vida, quando recebe pela internet a foto de uma ex de olhos siderados, copo na mão, enroscada num cara no meio da balada. Ao ver as formas e o rosto conhecido, ele instantaneamente leva a mão à boca, num gesto de susto e autocomiseração.
Mas isso dura menos de um segundo.
É tempo suficiente para ele lembrar que não tem mais nada a ver com aquilo – que aquele furacão de álcool e extravagância já não é mais da conta dele.
Com um suspiro de gratidão indefinida, ele observa a imagem na tela enquanto lembra que a moça, embora linda e arrebatadora, era uma dor de cabeça que não dói mais nele.
Quem é capaz de se identificar com essa história?
Eu sou. E acho que muitos serão.
Cada um de nós já teve experiências de convívio carregadas de ambiguidade. Você gosta da pessoa, às vezes ama, mas, junto com as coisas que você deseja ou admira nela, percebe traços de personalidade, manias ou comportamentos que são simplesmente insuportáveis. É bom livrar-se deles, embora não seja gostoso separar-se do que você ama nas pessoas.
Eu, por exemplo, não suporto gente intolerante, arrogante, belicosa. Mas já convivi com isso bem de perto, numa pessoa que tinha qualidades admiráveis. Foi traumatizante. Desde que essa relação acabou, faço questão de acordar ao lado de gente com menos certezas e pedras na mão. Tem sido bom assim.
Com as mulheres acredito que acontece o mesmo.
Uma delas me dizia outro dia como foi chegar na casa de um amigo e dar de cara com o ex- namorado embriagado se comportando como um escroto na frente da nova namorada – exatamente como fazia com ela. “Deu raiva dele, deu pena da garota, mas a alegria de estar livre daquilo foi bem maior”, me disse a amiga.
Nem sempre é assim tão claro.
Às vezes o que está errado numa pessoa é como certos barulhos no carro que vão e voltam. Algo está lá, incomodando, mas você não consegue perceber o quê, exatamente. Apenas meses ou anos depois, já na condição de amigo, ou pelo menos de ex, fica claro, repentinamente claro, qual era a origem do ruído.
Você olha para a aquela mulher encantadora e falante e percebe a crônica incapacidade dela em se mover em qualquer direção.
Ou então se dá conta da tristeza, quase depressão, que emana dela e que pairava sobre a relação de vocês como uma névoa.
Ou então nota, por trás da polidez, a insistência dela em falar de si mesma, como se ninguém mais importasse.
Ou a frequência exasperante com que ela menciona fulano, um antecessor que já era antigo ao seu tempo, mas que parece não ter sido esquecido.
Nessas ocasiões, a gente entende por que acabou, por que não deu certo, por que não tinha de ser.
O tempo ajuda a perceber sutilezas. Ele nos ajuda a ver através das pessoas e raramente o mito delas resiste a esse olhar objetivo e desapaixonado.
É bom que seja assim.
Se o seu ex era um controlador ególatra ou um quarentão indolente que precisa de mãe, é importante perceber. Ajuda a olhar para frente. Faz com que a vida ande. Permite entender que as coisas que aconteceram no passado tinham lá seus motivos. Permite olhar para a foto da ex na internet e dar uma boa gargalhada – sem o menor sentimento de perda.

Ivan Martins

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Quando o amor é distração...



Depois de algum tempo, que varia de pessoa para pessoa, é inevitável que a gente tenha a sensação que já fez de tudo e que a vida – aquela de todos os dias, ano após ano – está se repetindo. Quando eu tinha 17 anos, um dos meus melhores amigos, um ano apenas mais velho do que eu, decidiu se casar. Durante a conversa que tivemos sobre isso, argumentei que a decisão era pra lá de precoce, mas ele respondeu, cheio de si: “Eu sinto que já fiz de tudo.”
Os tempos mudam, mas algumas coisas permanecem.
Nos anos 70, quando essa conversa aconteceu, havia pressa entre os garotos em tornar-se homens. Para alguns, como esse amigo, mais conservadores, isso se dava por meio do casamento. Você provava ao mundo e a si mesmo que havia crescido ao entrar na igreja e ter um filho, preferencialmente com um intervalo de alguns meses entre uma coisa e outra.
Hoje em dia talvez seja o contrário. Há uma determinação coletiva em esticar a adolescência além do limite razoável. A sensação predominante, aquilo que alguns chamam de espírito do tempo, é que nós todos viveremos como Oscar Niemeyer ou Domingos de Oliveira. Talvez mesmo como Matusalém, aquele personagem bíblico que bateu sandálias aos 969 anos. Com frequência eu escuto conversas assim: “Eu tenho 25anos, sou moleque, mas…” Obviamente mudou a idade em que as pessoas sentem que cresceram.
O que não mudou desde a calça boca de sino foi a maneira que as pessoas escolhem para mudar a vida. Quando as sensações estão se repetindo, quando um ciclo aparentemente se esgotou, elas se apaixonam. Temos até uma frase para explicar isso: quando estamos prontos, a pessoa certa aparece. A “pessoa certa” varia de uma vida para outra, mas a função dela, eu acho, é sempre encerrar uma etapa e dar início a outra. Recomeçar.
O motivo é simples: a paixão nos dá a sensação de voltar ai zero. Ou quase. Eros, na mitologia grega, não encarna apenas a força brutal do amor e do erotismo. É também o deus da natureza, com seus ciclos indomáveis de morte e renascimento. Estar apaixonado é florescer, tanto quando se entorpecer ou enlouquecer. Meu amigo percebia isso aos 18 anos. Pegou carona na energia da paixão para mudar a vida na direção que imaginava correta. Um novo amor, um novo começo, a possibilidade de uma nova vida. Quem nunca embarcou nessa?
Mas eu vejo um problema com essa forma de mudar as coisas: a energia da paixão é ambígua. Ela pode ajudar a promover mudanças reais ou pode encobrir, sob uma camada de novidade e erotismo, a vontade de mudança que não se realiza em outros aspectos da vida. O amor pode ser ação, mas pode ser apenas distração.
Escrevo isso porque, frequentemente, tenho a sensação de que transferimos para o amor a responsabilidade por milagres que ele não tem capacidade de operar.
É comum, por exemplo, estar tão enfastiado com o trabalho que a vida pareça insuportável. Quem pode ser feliz fazendo o que não gosta todos os dias? Ou indo a um lugar onde não gostaria de estar? Ou tratando diariamente com pessoas que não gostaria de ver?
Mas é igualmente comum que, em vez de tentar alterar esse aspecto essencial da existência, as pessoas se atirem a mudanças de outra ordem, sobretudo afetivas, em busca de uma satisfação que será necessariamente temporária e que não vai mudar em nada o problema essencial. Eu já fiz isso e já vi dezenas de pessoas fazerem igual.
(Minha sensação é que as pessoas práticas, aquelas capazes de mudar com mais eficiência os aspectos materiais da sua existência, têm menos necessidade de revolucionar seu mundo afetivo a cada par de meses ou anos. Elas se renovam mudando outros aspectos da vida.)
Há também a paixão que nos consola das nossas questões interiores. Das nossas dores permanentes. Da nossa ansiedade intolerável. Por algum tempo ela nos distrai de nós mesmos. É uma fuga que tende a se repetir. Gente angustiada e sedutora faz isso o tempo inteiro: troca de parceiro e de paixão sem conseguir trocar o essencial em si mesmo. Eu já conheci gente assim, você também. Um belo dia elas acordam, percebem que a velha dor está lá, e vão embora, atrás de outra paixão que consiga preencher o buraco impreenchível.
Qual é a moral dessa história?
Que talvez tenhamos de desconfiar de nós mesmos (e de nossas razões) mesmo quando estivermos sendo levados ao céu pelo anjo inesperado e providencial da paixão. Se o anjo aparece toda vez que a vida se torna insuportável, talvez não passe de uma requintada muleta com asas. Ou de uma ilusão. Quem sabe um analgésico.
O meu amigo decidiu que já tinha vivido tudo aos 18 anos e que a paixão e o casamento resolveriam suas angústias de adolescência. Obviamente ele era um tolo e as coisas não aconteceram como ele previa. A maioria de nós fez 18 anos há muito tempo, mas, de uma forma silenciosa e quase inconfessável, muitos continuamos esperando que o amor (o próximo amor, o casamento, ou aquele cara…) vá solucionar, repentinamente, nossa vida. Eu acho que não acontece assim. Pelo menos comigo não tem acontecido.

Ivan Martins

sábado, 3 de setembro de 2011

O amor bom é facinho...


Há conversas que nunca terminam e dúvidas que jamais desaparecem. Sobre a melhor maneira de iniciar uma relação, por exemplo. Muita gente acredita que aquilo que se ganha com facilidade se perde do mesmo jeito. Acham que as relações que exigem esforço têm mais valor. Mulheres difíceis de conquistar, homens difíceis de manter, namoros que dão trabalho – esses tendem a ser mais importantes e duradouros. Mas será verdade?
Eu suspeito que não.
Acho que somos ensinados a subestimar quem gosta de nós. Se a garota na mesa ao lado sorri em nossa direção, começamos a reparar nos seus defeitos. Se a pessoa fosse realmente bacana não me daria bola assim de graça. Se ela não resiste aos meus escassos encantos é uma mulher fácil – e mulheres fáceis não valem nada, certo? O nome disso, damas e cavalheiros, é baixa auto-estima: não entro em clube que me queira como sócio. É engraçado, mas dói.
Também somos educados para o sacrifício. Aquilo que ganhamos sem suor não tem valor. Somos uma sociedade de lutadores, não somos? Temos de nos esforçar para obter recompensas. As coisas que realmente valem a pena são obtidas à duras penas. E por aí vai. De tanto ouvir essa conversa – na escola, no esporte, no escritório – levamos seus pressupostos para a vida afetiva. Acabamos acreditando que também no terreno do afeto deveríamos ser capazes de lutar, sofrer e triunfar. Precisamos de conquistas épicas para contar no jantar de domingo. Se for fácil demais, não vale. Amor assim não tem graça, diz um amigo meu. Será mesmo?
Minha experiência sugere o contrário.
Desde a adolescência, e no transcorrer da vida adulta, todas as mulheres importantes me caíram do céu. A moça que vomitou no meu pé na festa do centro acadêmico e me levou para dormir na sala da casa dela. Casamos. A garota de olhos tristes que eu conheci na porta do cinema e meia hora depois tomava o meu sorvete. Quase casamos? A mulher cujo nome eu perguntei na lanchonete do trabalho e 24 horas depois me chamou para uma festa. A menina do interior que resolveu dançar comigo num impulso. Nenhuma delas foi seduzida, conquistada ou convencida a gostar de mim. Elas tomaram a iniciativa – ou retribuíram sem hesitar a atenção que eu dei a elas.
Toda vez que eu insisti com quem não estava interessada deu errado. Toda vez que tentei escalar o muro da indiferença foi inútil. Ou descobri que do outro lado não havia nada. Na minha experiência, amor é um território em que coragem e a iniciativa são premiadas, mas empenho, persistência e determinação nunca trouxeram resultado.
Relato essa experiência para discutir uma questão que me parece da maior gravidade: o quanto deveríamos insistir em obter a atenção de uma pessoa que não parece retribuir os nossos sentimos?
Quem está emocionalmente disponível lida com esse tipo de dilema o tempo todo. Você conhece a figura, acha bacana, liga uns dias depois e ela não atende e nem liga de volta. O que fazer? Você sai com a pessoa, acha ela o máximo, tenta um segundo encontro e ela reluta em marcar a data. Como proceder a partir daí? Você começou uma relação, está se apaixonando, mas a outra parte, um belo dia, deixa de retornar seus telefonemas. O que se faz? Você está apaixonado ou apaixonada, levou um pé na bunda e mal consegue respirar. É o caso de tentar reconquistar ou seria melhor proteger-se e ajudar o sentimento a morrer?
Todas essas situações conduzem à mesma escolha: insistir ou desistir?
Quem acha que o amor é um campo de batalha geralmente opta pela insistência. Quem acha que ele é uma ocorrência espontânea tende a escolher a desistência (embora isso pareça feio). Na prática, como não temos 100% de certeza sobre as coisas, e como não nos controlamos 100%, oscilamos entre uma e outra posição, ao sabor das circunstâncias e do tamanho do envolvimento. Mas a maioria de nós, mesmo de forma inconsciente, traça um limite para o quanto se empenhar (ou rastejar) num caso desses. Quem não tem limites sofre além da conta – e frequentemente faz papel de bobo, com resultados pífios.
Uma das minhas teorias favoritas é que mesmo que a pessoa ceda a um assédio longo e custoso a relação estará envenenada. Pela simples razão de que ninguém é esnobado por muito tempo ou de forma muito ostensiva sem desenvolver ressentimentos. E ressentimentos não se dissipam. Eles ficam e cobram um preço. Cedo ou tarde a conta chega. E o tipo de personalidade que insiste demais numa conquista pode estar movida por motivos errados: o interesse é pela pessoa ou pela dificuldade? É um caso de amor ou de amor próprio?
Ser amado de graça, por outro lado, não tem preço. É a homenagem mais bacana que uma pessoa pode nos fazer. Você está ali, na vida (no trabalho, na balada, nas férias, no churrasco, na casa do amigo) e a pessoa simplesmente gosta de você. Ou você se aproxima com uma conversa fiada e ela recebe esse gesto de braços abertos. O que pode ser melhor do que isso? O que pode ser melhor do que ser gostado por aquilo que se é – sem truques, sem jogos de sedução, sem premeditações? Neste momento eu não consigo me lembrar de nada.

Ivan Martins

terça-feira, 30 de agosto de 2011




"Em muitos trechos do caminho, às vezes bem longos, carregamos muito peso na alma sem também notar. A gente se acostuma muito fácil às circunstâncias difíceis que às vezes podem ser mudadas. A gente se adapta demais ao que faz nossos olhos brilharem menos. A gente camufla a exaustão. A gente inventa inúmeras maneiras para revestir o coração com isolamento acústico para evitar ouvi-lo. A gente faz de conta que
a vida é assim mesmo e ponto. A gente arrasta bolas de ferro e faz de conta que carrega pétalas só pra não precisar fazer contato com as nossas insatisfações e agir para transformá-las. A gente carrega tanto peso, no sentimento, um bocado de vezes, porque resiste à mudança o máximo que consegue, até o dia em que a alma, cansada de não ser olhada, encontra o seu jeito de ser vista e de dizer quem é que manda.
Eu fiquei pensando no que esse peso todo, silenciosamente, faz com a alma. No que isso faz com os sonhos mais bonitos e charmosos e arejados. No que isso, capítulo a capítulo, dia-a-dia, faz com a nossa
espontaneidade. No que isso faz, de forma lenta e disfarçada, com o desenhista lindo que mora na gente e traça os risos de dentro pra fora. E o entusiasmo. E o encanto. E a emoção de estarmos vivos. Eu fiquei pensando no quanto é chato a gente se acostumar tanto. No quanto é chato a gente só se adaptar. No quanto é chato a gente camuflar a própria exaustão, a vida mais ou menos há milênios, que canta pouco, ri pequeno e quase não sai pra passear. Eu fiquei pensando no quanto é chato a gente deixar o coração isolado para não lhe dar a chance de nos contar o que imagina pra nós e o que podemos desenhar juntos nessa estrada.
Mas chega um momento em que me parece que, lá no fundo, a gente começa a desconfiar que algo não está bem e que, ainda que seja mais fácil culpar Deus e o mundo por isso, vai ver que os algozes moram em nós,
dividindo espaço com o tal desenhista lindo que, temporariamente, está com a ponta do lápis quebrada. Sem fazer alarde, a gente começa a perceber os tímidos indícios que vêm nos dizer que já não suportamos
carregar tanto peso como antes e a viver só para aguentar. Devagarinho, a gente começa a sentir que algo precisa ser feito. Embora ainda não faça. Embora ainda insista em fazer ouvidos de mercador para a própria consciência. Embora ainda estresse toda a musculatura da alma, lesione a vida, enrijeça o riso, embace o brilho dos olhos, envenene os rios por onde corre o amor. Por medo da mudança, quando não dá mais para carregar tanto peso, a gente aprende a empurrá-lo, desaprendendo um pouco mais a alegria. Quase nem
consegue respirar de tanto esforço, mas aguenta ou pelo menos faz de conta, algumas vezes até com estranho orgulho. Até que chega a hora em que a resistência é vencida. A gente aceita encarar o casulo. A gente deixa a natureza tecer outra história. A gente permite que a borboleta aconteça.
Nascemos para aprender a amar, a dançar com a vida com mais leveza, a criar mais espaço de conforto dentro da gente, a ser mais felizes e bondosos, a respirar mais macio, essa é a proposta prioritária da
alma, eu sinto assim. Podemos ainda subestimar a nossa coragem para assumir esse aprendizado. Podemos nos acostumar a olhar o peso e o aperto, nossos e dos outros, tanto sofrimento por metro quadrado, como
coisa que não pode nunca ser transformada. Podemos sentir um medo imenso e passar longas temporadas quase paralisados de tanto susto. Podemos esgotar vários calendários sem dar a menor importância para o
material didático que, aqui e ali, a vida nos oferece. Podemos ignorar as lições do livro-texto que é o tempo e guardar, bem escondido do nosso contato, esse caderno de exercícios que é o nosso relacionamento
com nós mesmos e com os outros. Apesar disso tudo, a nossa semente, desde sempre, já inclui as asas. Já inclui o voo. Já inclui o riso. Já é feita para um dia fazer florir o amor que abriga. E, mais cedo ou
mais tarde, ela floresce."

Ana Jácomo

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Alguém Especial...

 
É isso que você quer – ou um monte de gente basta?
 
“Ficar com muita gente é fácil”, diz um amigo meu, com pouco mais de 25 anos. “Difícil é achar alguém especial”.
Faz algum tempo que tivemos essa conversa. Ele tentava me explicar por que, em meio a tantas garotas bonitas, a tantas baladas e viagens, ele não se decidia a namorar.
Ele não disse que estava sobrando mulher. Não disse que seria um desperdício escolher apenas uma. Não falou em aproveitar a juventude ou o momento e nem alegou que teria dificuldade em escolher. Disse apenas que é difícil achar alguém especial.
Na hora, parado com ele na porta do elevador, aquilo me pareceu apenas uma desculpa para quem, afinal, está curtindo a abundância. Foi depois que eu vim a pensar que existe mesmo gente especial, e que é difícil topar com uma delas.
Claro, o mundo está cheio de gente bonita. Também há pessoas disponíveis para quase tudo, de sexo a asa delta. Para encontrar gente animada, basta ir ao bar, descobrir a balada, chegar na festa quando estiver bombando. Se você não for muito feio ou muito chato, vai se dar bem. Se você for jovem e bonita, vai ter possibilidade de escolher. Pode-se viver assim por muito tempo, experimentando, trocando de gente sem muita dor e quase sem culpa, descobrindo prazeres e sensações que, no passado, estariam proibidos, especialmente às mulheres.
Mas talvez isso tudo não seja suficiente.
Talvez seja preciso, para sentir-se realmente vivo, um tipo de sensação que não se obtém apenas trocando de parceiro ou de parceira toda semana. Talvez seja preciso, depois de algum tempo na farra, ficar apaixonado. Na verdade, ficar apaixonado pode ser aquilo que nós procuramos o tempo inteiro – mas isso, diria o meu jovem amigo, exige alguém especial.
Desde que ele usou essa fatídica expressão, eu fiquei pensando, mesmo contra a minha vontade, sobre o que seria alguém especial, e ainda não encontrei uma resposta satisfatória. Provavelmente porque ela não existe.
Você certamente já passou pela sensação engraçada de ouvir um amigo explicando, incansavelmente, por que aquela garota por quem ele está apaixonado é a mulher mais linda e mais encantadora do mundo – sem que você perceba, nela, nada de especial. OK, a garota é bonitinha. OK, o sotaque dela é charmoso. Mas, quem ouvisse ele falando, acharia que está namorando a irmã gêmea da Mila Kunis. Para ele ela é única e quase sobrenatural, e isso basta.
Disso se deduz, eu acho, que a pessoa especial é aquela que nos faz sentir especial.
Tenho uma amiga que anda apaixonada por um sujeito que eu, com a melhor boa vontade, só consigo achar um coxinha. Mas o tal rapaz, que parece que nasceu no cartório, faz com que ela se sinta a mulher mais sensual e mais arrebatada do planeta. É uma química aparentemente inexplicável entre um furacão e um copo de água mineral sem gás, mas que parece funcionar maravilhosamente. Ela, linda e selvagem como um puma da montanha, escolheu o cara que toma banho engravatado, entre tantos outros que se ofereciam, por que ele a faz sentir-se de um modo que ninguém mais faz. E isso basta.
É preciso admitir que há gente que parece especial para todo mundo. Não estou falando de atores e atrizes ou qualquer dessas celebridades que colonizam as nossas fantasias sexuais como cupins. Falo de gente normal extremamente sedutora. Isso existe, entre homens e entre mulheres. São aquelas pessoas com quem todo mundo quer ficar. Aquelas por quem um número desproporcional de seres humanos é apaixonado. Essas pessoas existem, estão em toda parte, circulam entre nós provocando suspiros e viradas de pescoço, mas não acho que sejam a resposta aos desejos de cada um de nós. Claro, todo mundo quer uma chance de ficar com uma pessoa dessas. Mas, quando acontece, não é exatamente aquilo que se imaginava. Você pode descobrir que a pessoa que todo mundo acha especial não é especial para você.
Da minha parte, tendo pensado um pouco, acho que a pessoa especial é aquele que enche a minha vida. Ela é a resposta às minhas ansiedades. Ela me dá aquilo que eu nem sei que eu preciso – às vezes é paz, outras vezes confusão. Eu tenho certeza que ela é linda por que não consigo deixar de olhá-la. Tenho certeza que é a pessoa mais sensual do mundo, uma vez que eu não consigo tirar as mãos dela. Certamente é brilhante, já que ela fala e eu babo. E, claro, a mulher mais engraçada do mundo, pois me faz rir o tempo inteiro. Tem também um senso de humor inteligentíssimo, visto que adora as minhas piadas. Com ela eu viajo, durmo, como, transo e até brigo bem. Ela extrai o melhor e o pior de mim, faz com que eu me sinta inteiro.
Deve ser isso que o meu amigo tinha em mente quando se referia a alguém especial. Se for isso vale a pena. As pessoas que passam na nossa vida são importantes, mas, de vez em quando, alguém tem de cavar um buraco bem fundo e ficar. Essas são especiais e não são fáceis de achar.

(Ivan Martins)

sábado, 20 de agosto de 2011

Esse Mistério...



Estive pensando nesse mistério que faz com que a vida da gente se encante tanto por outra vida. E sinta vontade de escrever poemas. Garimpar estrelas. Deixar florir pelo corpo os sorrisos que nascem no coração. Nesse mistério que nos faz olhar a mesma imagem inúmeras vezes, sem cansaço, seja ela feita de papel ou de memória. Que nos faz respirar feliz que nem folha orvalhada. Querer caber, com frequência, no mesmo metro quadrado onde a tal vida está. Cantarolar pela rua aquela canção que a gente não tinha a mínima ideia de que lembrava.

Estive pensando nesse mistério que faz com que a vida da gente encontre essa vida na multidão planetária de bilhões de outras. E sem saber que ela existia, perceba ao encontrá-la que sentia saudade dela antes de conhecê-la. Estive pensando nesse mistério que faz com que aquela vida que acaba de encontrar a nossa nos deixe com a impressão de estar no nosso caminho desde sempre, como se fosse um sol que esteve o tempo todo ali e a gente somente não o ouvia cantar. Nesse mistério que nos faz trocar buquês dos olhares mais cuidadosos. Que nos faz querer cultivar jardins, lado a lado. Nesse mistério que faz com que a nossa vida queira um bem tão grande à outra vida, que vai ver que isso já é uma prece e a gente nem desconfia.

Estive pensando nesse mistério lindo que você é para alguém e alguém é para você ou que ainda serão um para o outro. Nessa oportunidade preciosa dos encontros que nos fazem crescer no amor também com o tempero bom da ludicidade. Nesse clima de passeio noturno em pracinha de cidade pequena. Nessa paz que convida o coração pra recostar e repousar cansaços. Nesse lume capaz de clarear quarteirões inteirinhos da alma e acender um mundaréu de vontades no corpo. Nesse abraço com braços que começam dentro da gente. Nessa vontade de deixar o mundo todo pra depois só para saborear cada milímetro do momento embrulhado pra presente.

Estive pensando nesse mistério que não consigo desvendar. Nem tento.
 
 
Ana Jácomo

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Quase...


Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou. Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cór, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.

Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém,preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer. Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.


Sarah Westphal

domingo, 7 de agosto de 2011

Quando o tesão da vida anda morno...

"Sempre desprezei as coisas mornas, as coisas que não provocam ódio nem paixão, as coisas definidas como mais ou menos, um filme mais ou menos, um livro mais ou menos. Tudo perda de tempo. Viver tem que ser perturbador (...) O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia." (Martha Medeiros)

Estive pensando hoje sobre o quanto a gente se permite amornar a vida. Quase conseguimos o emprego dos sonhos, faltaram dois pontos para passar naquele concurso, estivemos à beira de cometer uma loucura deliciosa por amor, perdemos três dos cinco quilos em excesso, compramos a casa que era quase igual a que desejávamos, saímos sempre cinco dos dez minutos necessários para não pegar fila no trânsito, demos um "quase perfeito" ao encontro romântico, enfim, aprendemos que quase nada sai como planejamos e nos conformamos com a pilha de frustrações que vamos acumulando nas quatro paredes que dividem conosco alegrias contidas e tristezas camufladas.

O que nos leva a amornar a vida? É tão mais fácil, não é? Ser mais ou menos simpático para evitar falácias, dar um meio sorriso a mostrar indignação, um abraço frouxo, indolente a ter que se justificar pela repulsa que sentimos ao calor do outro. Por que ser inflamado, tenso, exaltado se a serenidade e o equilíbrio são tão mais afáveis? O problema é que essa droga de vida “mais ou menos” aborrece. As pessoas mornas cansam. O amor tépido enjoa. Essa falta de tesão por tudo enfastia.

O ano termina e tudo continua simetricamente inalterado: os dias sem cor, os meses sem brilho, até a forma como damos bom-dia e boa-noite (é exatamente igual). Percebemos também que o sorriso espontâneo deu lugar ao gesto forçado que dói para se desenhar no rosto, mas a gente não se preocupa com isso, pois a pessoa ao nosso lado, por sua vez, nos devolve com a mesma gentileza o desprazer em dividir aquele que foi o lugar de promessas e prazeres.

Quem se deixa entrar nesse processo conhece bem os sintomas de quando as coisas já não têm mais o que amornar. A verdade é que somos permissivos, acabamos deixando de olhar onde estagnamos e passamos a ver somente os defeitos de quem está conosco e, como num mecanismo de autodefesa à própria incapacidade de reação, culpamos ainda mais o outro por nos encontrarmos impedidos de ir em busca de alguém que nos reacenda esse tesão pela vida e por todas as vicissitudes que ela apresenta. Ninguém quer viver sozinho, mas a solidão muitas vezes é maior quando, acompanhados, não nos enxergamos. E como pesa essa amarra que nos aprisiona o corpo e a mente, tornando-nos reféns da nossa própria sorte.

O fato é que nos calamos, chegando ao ponto de não termos mais o que falar; não existe linguagem que esclareça o que está indecifrável. Falta sensibilidade para perceber que nem tudo pode ser resolvido com uma ou duas conversas amistosas, talvez, nessa hora, seja o caso de apagar a luz e sussurrar uma ou duas palavras desconexas no ouvido, apenas para traduzir ou testar o que se sente e deixar aos gestos (que falam a linguagem do prazer) as possíveis respostas para acabar com a mornidão presente.

Mas, contrapondo a minha própria fala, eu não resistiria em levantar a seguinte possibilidade: - E se não estivermos esperando por respostas? E se o desejo interior, ainda que inconsciente, seja sair do tom pastel buscando o desconhecido? Mesmo que isso represente algo misterioso, disforme, obscuro, doloroso, cheio de incoerência e sem garantia de retorno à tepidez. Pode, sim, valer a pena.

Sabe-se lá de que maneira, de repente, a gente sente uma irritação por dentro, bradando por mudança. Talvez seja o caso de desequilibrar a balança e pender para o lado que parece mais atraente, que justifica o dormir e acordar com direito a abrir a janela e observar a paisagem sob outro enfoque, ou quem sabe nem abri-la, dando ao impulso a oportunidade de sair de casa e contemplar a paisagem livremente, com o vento remexendo os cabelos e a chuva fina batendo no rosto a descobrir uma nova face, sem a máscara da embriaguez passiva que nos põe cegos e surdos para os ecos inquietantes e multicoloridos da alma.

Por Afrodite para maiores.

Ando mesmo com a garganta seca e as mãos suando frio na expectativa de que algo aconteça, seja um sorriso espontâneo ou uma lágrima pronta para se formar no canto esquerdo do meu olho. Eu preciso de febre, inquietação, de gosto de morango na boca, de uma ou duas aspirações que me puxem para a frente e me permitam olhar para dentro, percebendo até onde posso e quero ir.

Estou exausta de insipidez, falta, ausência, privação, carência. Não há mais tempo para esperar o entorno da estação. Sinto que é iminente me libertar das palavras vazias e da falta do calor que inflama, inebria, deixa o corpo suado de vida, de vontade de aquecer ao sol as cores neutras até enrubescerem. E nesse desespero resignado, adormecido, acabrunhado, que anda em círculos pela sala, eu possa me valer da coragem que anda escondida para, deliberadamente, escancaradamente, olhar-me no espelho e perceber que estou viva.

domingo, 31 de julho de 2011

Você tem medo de quê?



Medo, esta é uma palavra que dá medo. É um sentimento que nos põe apreensivos, direcionando-nos a tomar (ou não) determinado caminho. É uma sensação fisiológica desconfortável que exige uma resposta, seja para lutar ou para fugir. O medo nos acompanha pelos corredores escuros da vida quando não estamos certos de que o amanhã será ensolarado, de que a chuva não seja passageira, de que o telefone talvez não toque e de que a luz no fim do túnel possa ser uma miragem.

Somos acompanhados pela sombra do medo de não ser perfeito, de estar de braços dados com o engano, de se aliar aos perigos que surgem como fantasmas numa noite-breu. Temos medo de imprevistos: perder o emprego, o avião, o grande amor da nossa vida, a beleza da juventude, os sonhos de outrora, as amizades verdadeiras. Temos medo de dizer que estamos inseguros e que seria melhor esperar a próxima estação para andar de pés descalços. Sim, também temos medo de sentir medo.

Mas de todos os medos, existe um que é nutrido pela nossa ansiedade - o medo de errar, e essa sensação nos acompanha pelos dias e, às vezes, pelas noites infindas, conforme for o descompasso dos acontecimentos e o quanto estamos inseguros de pisar em falso. Se o dinheiro acaba, temos receio de ficar doentes, se dormimos demais, tememos pela fila no trânsito, se a viagem demora mais que o esperado, ficamos com medo de sentir saudade. Temos horror ao medo: de engordar, de emagrecer, de ficar cansado, de chorar, de rir à beça, de amar demais, de amar de menos. Temos medo do amanhã, do depois de amanhã... e da morte.

O medo é, então, um sentimento ruim? Não, o medo não é de todo mal. Não vamos até a ponta do precipício porque sabemos que há perigo de cair, não tomamos remédio em excesso porque temos conhecimento de que a dose certa é imprescindível para a cura, jamais vamos magoar alguém que amamos por temer que ela se afaste de nós para sempre. Sentir medo, pois, não é sensação de covardes, é apenas a mostra do que se tem a enfrentar, as suas possíveis consequências, o pensar com mais cuidado acerca de um fato que nos diz respeito. È um alerta para o desconhecido. Enfrentar ou não essa névoa obscura só depende de nós.

Por: Afrodite para maiores

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Tão perto, tão longe...

Tudo em ti era uma ausência que se demorava: uma despedida pronta a cumprir-se. (Cecília Meireles)

Esta semana estive pensando sobre o motivo que leva determinadas pessoas a se manter ao lado de alguém que já não corresponde às expectativas ou talvez nunca tenha correspondido, mas, por insistência, insegurança, por amor, acabam se nutrindo de pequenas gotas de emoções que, mais cedo ou mais tarde, secarão por completo, levando-as à deprimente situação de angústia, até chegar à tristeza absoluta.

Quem se deixa entrar nesse processo conhece bem os sintomas de quando as coisas já foram por água abaixo. A verdade é que paramos de nos perceber e passamos a ver somente os defeitos de quem está conosco e, como num mecanismo de autodefesa à própria incapacidade de reação, culpamos o outro por nos encontrarmos estagnados, sem tesão pela vida e por todas as vicissitudes que já foram vividas por ambos.

Ninguém quer viver sozinho, mas a solidão muitas vezes é maior quando, acompanhados, não somos vistos. E como pesa essa amarra que nos aprisiona o corpo e a mente, tornando-nos reféns da nossa própria sorte. Não libertamos o outro e não nos damos chance de liberdade para sair do tom pastel, mesmo que isso represente algo misterioso, disforme, obscuro, talvez futuramente doloroso, cheio de incoerência e sem garantia de retorno à tepidez.

Teme-se isso tudo! E os temores que acompanham um (pré) fim de caso são bastante comuns. Tem-se a noção exata do que se irá enfrentar quando a barreira da suportabilidade for vencida. É uma espécie de prenúncio de morte, sem a menor ideia de quanto tempo se guardará o luto pela ausência da pessoa amada. Muitas lágrimas serão sentidas, o sentimento de solidão será sufocante seguido de um provável inconformismo e um desconforto sombrio, que cercará o seu universo, comprimido pela dor.

Independente das razões que levaram a essa realidade, o que se tem em mãos é uma mistura de um presente repleto de incertezas com um futuro imprevisto. Alia-se a isso o inevitável trabalho de Sísifo para esquecer aquele alguém a quem se dedicou o melhor de si e tinha tudo para dar certo. Ninguém está preparado para perder, ainda que haja conciência de que tatear o desconhecido pode ser um convite irresistível a uma nova vida, talvez repleta de dias melhores.

Por mais que se esforce, não há como se preservar emoções em medidas iguais. E como queremos da vida um doce poema, ao sentirmos o fim da rima, entramos num processo de nostalgia, tentando, em suspiros, resgatar as michas do que um dia foi exato e completo. Mas já paramos para pensar que num relacionamento podemos estar com a espada de Dâmocles apontada para a nossa cabeça, sujeita a nos ferir a qualquer momento? Não, ninguém alimenta essa possibilidade, já que somos, por essência, idealizadores do amor romântico.

Viver com alguém é tão inexato que é impossível prever a dimensão dos sentimentos do outro, do quanto ele se permite (ou deseja) de nós. Não é proposital, posto que emoções não são conscientes nem calculáveis. Elas acontecem (ou não)! E se não houver mais motivo para aprofundar um sorriso, aproximar para um beijo, estender a noite e preencher o dia com a presença de quem se tem ao lado, não há mais por que sustentar o alicerce com apenas duas mãos.

Por: Afrodite para maiores