quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Frente a frente...

                       

Muitos de nós, talvez a maioria, gastam mais tempo nas redes sociais que nas relações sociais de verdade. É só fazer as contas. Interagimos com dezenas de pessoas por dia pelo Facebook, gastamos horas nisso, mas quase não encontramos ninguém pessoalmente. A situação é tão cômoda, envolve tanta gente, que essa forma de relacionamento à distância – por meio do celular ou do computador - tem se tornado a vida social real, enquanto a outra, que só ocorre quando as pessoas se encontram frente a frente, toma ares de coisa alternativa e eventual, uma espécie de universo paralelo que transcorre à margem daquilo que realmente importa.

Obviamente, essa situação tem consequências. Uma delas, terrível, é a redução das nossas habilidades sociais, como seduzir olhando nos olhos do outro.

Ontem, não pela primeira vez, uma amiga se queixava comigo da dificuldade em fazer engrenar, pessoalmente, um xaveco que anda rolando há semanas, e muito bem, pela internet. Nas conversas pelo Facebook, vai tudo às mil maravilhas. Quando ela encontra o sujeito na vida real, é um desastre. Ele parece ausente, não dá impressão de estar interessado. Fica uma estranheza entre eles que não existe nas conversas virtuais. Minha amiga acha que talvez ele não seja o cara. Acho que ele talvez seja viciado em redes sociais e não saiba como se comportar diante de uma mulher de carne e osso. Ou, talvez, seja ela que perdeu o jeito com a realidade.

Exceto por meio dúzia de seres humanos desenvoltos e privilegiados, esse negócio de sedução frente a frente nunca foi fácil. Somos criaturas tímidas que convivem, 24 horas por dia, com a contradição entre a fúria dos sentimentos e a inconveniência social de expressá-los. Quanto mais atraente nos parece a moça, mais sem jeito ficamos na presença dela. Quanto mais sensual o sujeito, mais a garota evita que ele perceba como ela se sente. São comportamentos adolescentes que, de alguma forma, nos acompanham a vida toda. Por isso, álcool e drogas são tão populares. Eles reduzem a distância entre nossos sentimentos e nosso comportamento.Permitem que as relações fluam com alguma naturalidade. Em direção ao sexo, naturalmente.

A comunicação de sentimentos à distância sempre foi mais fácil. A ausência do olhar do outro nos libera. Nos tornamos mais atrevidos e espirituosos quando não somos observados. Sem a possibilidade de censura do olhar, a comunicação intelectual e sentimental fica mais intensa. As inibições refluem. Dão lugar a ousadias verbais que só os bêbados e os grandes sedutores se permitem em pessoa. Por escrito, todo mundo é um pouco Don Juan – e isso não é nenhuma novidade.

No século XIX, quando a sociedade mal permitia que os jovens se falassem, os apaixonados trocavam cartas ardentes. Elas fazem parte da biografia de qualquer instruído do período. Nem seria preciso ir tão longe. Nos anos 1990, quando o e-mail tornou-se popular, surgiram os primeiros relacionamentos por internet. As pessoas voltaram a se apaixonar por escrito de uma forma que haviam parado de fazer por carta nos anos 1970. Com a vantagem de poder trocar mensagens instantaneamente, uma dúzia de vezes ao dia, num tom cada vez mais exaltado. Todo mundo com mais de 40 anos teve uma paixão dessas na virada do milênio. Quem não teve pode tentar recuperar agora, usando as redes sociais. É basicamente a mesma coisa, com menos texto e muitas fotos. Ou vídeos. O lance essencial dessas relações é a distância.

O problema, como a minha amiga e milhares como ela descobriram, é que a relação virtual pode se tornar o formato verdadeiro da relação. As pessoas se habituam àquela comunicação descarnada e já não conseguem se sentir à vontade na presença física do outro. Inibições iniciais e naturais parecem intoleráveis a quem trocava intimidades ou gracinhas de alta voltagem. O outro perde a graça pessoalmente, porque não é o desinibido que costuma ser no Facebook. Ou o espelho compreensivo que parecia ser no WhatsApp. A pessoa de verdade não está à altura da idealização que era construída. E ela mesma percebe isso. Daí o choque e o desencontro.

Essa é uma explicação para casos como minha amiga. Outra, mais estranha, é que há goste da relação virtual e não goste da relação física. É uma perversãozinha moderna. Na internet, a garota ou o cara podem se relacionar com uma dezena de pessoas, na maior intimidade. Sem problemas e sem inibições. Aí acontece uma inversão: a pessoa sai, uma vez por semana, apenas para fazer contatos visuais, explorados depois, e verdadeiramente, pelas redes sociais. Essas são as relações que lhe importam. Os encontros pessoais viram aquele momento esquisito, em que você cruza alguém com quem andou transando escondido e não cabe na sua vida pública. Uma espécie de saia justa.

Para quem não está nessa categoria de pervertido virtual, e gostaria de viver fisicamente suas relações à distância, recomendo moderação no uso da internet. Não permita que ela se torne o lugar essencial das trocas. Não deixe que a intimidade virtual avance a ponto de fazer do contato pessoal um anticlímax. Marque logo um encontro, enfrente a inibição de olhar nos olhos do outro, confronte a timidez e se permita superá-la. Aventure-se, corra riscos, sofra decepções reais. Essencialmente, saia da zona de conforto das conversas de Facebook. Elas são divertidas, viraram parte da rotina e nos parecem essenciais. Mas, como dizia o título de um filme antigo, são apenas uma imitação da vida. A vida de verdade começa quando a gente sorri – e alguém nos sorri de volta. Frente a frente.

Ivan Martins

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