terça-feira, 7 de julho de 2015

As vezes não conseguir o que queremos é uma tremenda sorte...

                             

        Existe uma história indiana que conta que um rapaz procurou um grande guru buscando ajuda e disse a ele que só havia escuridão à sua volta e que, portanto, ele não conseguia enxergar um palmo à frente do seu nariz. Foi então que o guru disse a ele que, na realidade, só havia luz ao redor dele, mas ele não percebia porque estava com os olhos fechados. O rapaz não compreendeu as palavras do guru que o mandou embora pra casa, dizendo que não havia nada que poderia ser feito para ajudá-lo, pois ele era o único que podia controlar suas próprias pálpebras. Meu pai simplifica essa história com o costume de dizer que alguém no fundo do poço – agarrado a uma pedra que ama – não pode ser resgatado por ninguém.

       Nesse mesmo contexto, uma piada, dessas infames, conta que o diabo estava muito frustrado com Deus, pois mesmo as pessoas mais miseráveis o amavam; foi então que Deus contou seu segredo: ele apenas dava a elas o que elas pediam e, dessa forma, sua infelicidade era única e exclusivamente culpa delas mesmas. Dalai Lama explica essa piada com maestria: “às vezes, não conseguir o que você quer é uma tremenda sorte”. Irônico? Alanis já dizia que sim; como aqueles bons conselhos que só descobrimos que eram bons quando já estávamos em um avião em queda-livre em plena quinta-feira chuvosa.

      A vida tem dessas coisas e às vezes, quando a gente cospe pra cima o escarro realmente cai na nossa testa; assim, como quando você se apaixona por quem disse que jamais amaria ou acaba sustentado pela mesmíssima área que sempre disse que nunca trabalharia. A verdade é que ninguém faz a menor ideia do que está fazendo e que quase todo mundo não tem o menor alcance nem disso, nem de que não está sozinho nessa.

      A realidade é que está todo mundo segurando sagradamente alguma pedra dentro do seu próprio poço, e mesmo assim, fica desesperado quando vê alguém que ama insistindo em não abrir as próprias pálpebras e enxergar a luz que você vê. Todo mundo segurando suas convicções com prazo de validade vencido; é muita gente se agarrando a aquela pedra que, por exemplo, mantém pessoas incríveis insistindo em relacionamentos extremamente problemáticos apenas para não abrirem mão de um amor que se prova diariamente insuficiente e destrutivo.

      Dá pra entender, afinal é mesmo muito difícil, às vezes arrasador, abrir mão da nossa querida pedra; de planos que fizemos e das coisas e pessoas que queremos e amamos. Isso sem falar no nosso orgulho ferido. É tão difícil, tão difícil, que preferimos ser infelizes a desistir. Quase como quando gastamos uma fortuna em um sapato que é lindo, mas acaba com o nosso pé, e então fazemos questão de continuar utilizando até a sola furar ou nosso pé encher de bolhas só de birra. É difícil pra caramba se questionar, mas é necessário: será que não é melhor perder o dinheiro do que perder o pé? Será que o que o nosso orgulho vale mais que nosso alívio, nossa alegria e nosso bem-estar? Vale mais do que admitir pra gente – e pros outros – que gastamos uma grana num sapato que, no fundo, não foi bom pra gente? Será que admitir nossa humanidade e falibilidade nos faz menores? Já diriam os sábios que a nossa felicidade está onde acaba o nosso ego.

      Mas como vencer nosso ego num mundo regido por egos? Como admitir nosso fracasso num livro feito para publicar vitórias? Como vencer nossa vaidade num mundo onde a felicidade é regra e a infelicidade é doença? A verdade é que Álvaro de Campos estava certo quando disse que é muito difícil ser humano ao lado de semi-deuses. É muito difícil levar porrada quando todos que você conhece têm sido campeões em tudo.

      Talvez a resposta esteja além dos deuses. Eu tenho quase certeza que está além da nossa compreensão. Só sei que é necessária a coragem de tentar ser transparente num mundo onde a privacidade se esvai pelos dedos enquanto a verdade íntima fica, muitas vezes, opaca. É necessária a coragem de entender que a felicidade e a infelicidade são igualmente necessárias e apenas vividas pelos que têm a coragem de falhar e continuar tentando. Afinal, se “perde-se também é caminho”, então desistir também tem que ser.

      Fica, portanto, a esperança e o desejo de que possamos nos perder mais, e também desistir mais e sempre que for preciso pra poder recomeçar; desistir pra poder mudar de rota, de vida, de amor e de hábitos; desistir pra desistir da pedra que nos prende ao fundo do posso; desistir pra finalmente abrir os olhos e enxergar a luz.

      Que tenhamos a coragem de desistir e que essa coragem de sermos falhos traga consigo plenitude e felicidade; porque desistir também é um caminho e, as vezes, é o melhor. “Isn’t it ironic?”

Kéren Carvalho



domingo, 28 de junho de 2015

Orfandades...




Quem ama cuida. Quem ama não se ausenta e nem se esquiva. Quando as coisas ficam difíceis, estica a mão, oferece o ombro, abraça e conforta. Quem ama se faz presente, não sai do ar. Às vezes se sacrifica. O amor tem uma cláusula de irrevogabilidade. Se foi revogado não é amor. Já era.

Se isso lhe parece antigo, tem razão. As coisas não são mais assim. A modalidade de amor que praticamos é mais amena. Está ligada ao nosso futuro, à nossa carreira, a certa ideia de conforto e sucesso. É contingente. Virou uma forma de realização pessoal e social, não sentimento pelo qual pagamos um preço. Pelo amor não sacrificamos nada, só recebemos.

Desculpem se pareço triste, mas percebo ao meu redor - e dentro de mim - uma sensação pesada de orfandade, ligada à transitoriedade das coisas. Fui ver na internet e descobri que a palavra "órfão" vem do grego orphanos, que significa, literalmente, "privado" ou "desprovido". Não nos sentimos privados de proteção e carinho? Não estamos desprovidos da sensação de aconchego que torna a vida aprazível? Tudo a ver.

Sinto, na verdade, que vivemos orfandades simultâneas e múltiplas. A mesma tristeza que a morte dos pais provoca - a orfandade original - espalhou-se pela vida. Quando os amores terminam, quando os empregos acabam, quando as amizades estremecem, quando a família se afasta, nos sentimos da mesma forma: expostos e desprotegidos, solitários, à mercê do mundo... feito uma criança. Essas são as nossas orfandades.

Alguém dirá que sempre foi assim. Não creio. Havia no passado camadas de proteção entre o mundo e cada um de nós. Éramos parte de algo maior que nos abrigava. Hoje estamos sozinhos, ou quase. Há nosso amor, mas ele pode faltar. Existe a família, mas ela se resume a pais e filhos - um núcleo pequeno e frágil que pode a qualquer instante implodir. No trabalho, somos lutadores solitários. Em que parte do mundo nos juntamos a nossos iguais e nos sentimos parte de um todo? Nenhuma. Onde fica o oásis de paz e tranquilidade? Não há.

As relações afetivas já foram esse oásis, não são mais. Trocamos segurança por verdade e aventura. Somos deixados, trocados, esquecidos, superados. Assim como deixamos, trocamos, esquecemos, superamos. Muitas vezes. Tantas vezes. Tudo é intenso e provisório. Nada está assegurado. Não podemos realmente contar com isso. O que é sólido se desmancha no ar (para usar uma frase famosa) e avançamos - de cabeça erguida, em meio às nossas múltiplas orfandades, colhendo o riso e o gozo que se oferecem, retribuindo com a nossa alegria (que não morreu, hiberna apenas).

Estamos à espera de tempos melhores. Depois do inverno, o verão. Depois da noite, o sol. Ao vazio do nosso luto - qualquer que seja a sua causa - sucederá a plenitude. Reencontraremos o amor, a direção, a unidade refeita com o mundo e com nós mesmos. Um amor virá depois do outro, e com ele a vida nova. Enquanto isso, a melancolia. O intervalo terrível. Enquanto isso, o frio.

Há que ter paciência, portanto. Com os nossos sentimentos. Com a vida que escolhemos viver. Há que sentir-se órfão antes de recomeçar e renascer.

Ivan Martis

quarta-feira, 17 de junho de 2015

A crise dos 30...




                          


Talvez seja apenas uma experiência pessoal, mas eu duvido. Ao redor de mim, sinto que outros homens são forçados a lidar com a mesma perplexidade: as mulheres se aproximam dos 30 anos e, repentinamente, tudo começa a mudar.

Outro dia, conversando com uma moça dessa idade, ela contou que nos meses anteriores havia rompido com o homem com quem morava, viajado para a Índia, mudado de emprego e de profissão e encontrado uma nova forma de viver, baseada na meditação e no autoconhecimento.

"Meu namorado achava que estava tudo bem, mas não estava", diz ela. "Eu estava em ebulição, sentada no sofá ao lado dele". Ela não tinha certeza sobre o que desejava, mas sabia que tinha de sair e procurar. Foi o que fez, diante do olhar atônito do parceiro. Não voltou mais.

O senso comum costuma relacionar esse comportamento - e essa crise - a uma única palavra: maternidade. Na curva dos 30, as moças começariam a ouvir o tic-tac do relógio biológico e passariam, mesmo de forma inconsciente, a avaliar seus relacionamentos e suas vidas na perspectiva de uma sala de parto. Ou, na frase imortal de uma ex-namorada minha, "se o cara não quiser ter filho, não dou nem beijo na boca".

Tenho certeza que a maternidade é coisa importante e que para muitas mulheres ela constituirá o centro palpitante das preocupações a partir de certo momento da vida. Mas não acredito que isso valha para todas. Nem acho que a maternidade resuma as ansiedades que afligem as mulheres quando se aproximam dos 30. Muitas deixam parceiros que querem casar e ter filhos porque não desejam isso. Não com eles, ao menos.

Honoré de Balzac - cujo romance A mulher de trinta anos ajudou a criar o termo balzaquiana - achava que os 30 anos marcavam "o ápice poético da vida das mulheres". O que ele queria dizer com isso? Nada muito elogioso.

Júlia, sua personagem principal, tomada pela insatisfação conjugal (e existencial, eu diria) envolve-se em sucessivos romances adúlteros que acabam por destruí-la. Balzac, é bom lembrar, escreveu há quase 200 anos. Naquele tempo, uma mulher infeliz deveria conformar-se com a sua sorte. Ou, sendo muito atrevida, correr atrás de um homem que lhe oferecesse outra existência. Não havia possibilidade de aventurar-se sozinha.

Se vivesse hoje em dia, Júlia mandaria o casamento às favas, faria uma grande viagem, mudaria de vida e de emprego e talvez achasse no processo um homem com quem quisesse ter um filho. Ou não. O romantismo da personagem de Balzac poderia ser vivido apenas como sexo e procriação. Hoje, o romantismo feminino pode tomar qualquer forma: revolução existencial, divórcio, reinvenção profissional, aventura ou mesmo maternidade.

Tudo isso, porém, são reações. Mais importante, eu acho, é o motivo que está por trás delas desde o tempo de Balzac - a crise dos 30.

Na minha experiência, o que acontece com as mulheres ao redor dos 30 anos é o surgimento de um limite que antes não estava lá. A data marca simbolicamente o fim da juventude e o começo irrevogável da idade adulta. Há grandes decisões a serem tomadas. Filhos é uma delas, mas não só. Existe a carreira. O estilo de vida. A relação com o parceiro. Os planos de morar fora. As ambições que serão adiadas, esquecidas ou abraçadas. Existem várias maneiras de ser mulher e é preciso escolher uma delas.

Em comparação, a vida dos homens parece linear. As escolhas são simples. Ainda não existe, culturalmente, muitas maneiras de ser homem. Há uma só. Escolhemos a profissão, mergulhamos no trabalho, achamos uma mulher e nos juntamos a ela. Às vezes temos filhos, outras vezes, não. Mas a vida segue, sem sobressaltos. Aos 30, aos 40, aos 50 anos. As crises masculinas são externas, induzidas pelo desemprego, pela doença, pelo fim dos relacionamentos.

As mulheres, como muitos já sentiram na pele, têm crises autônomas, alimentadas por suas próprias aspirações. Pela sua poesia, diria Balzac. Ela provoca erupções silenciosas e decisões intempestivas. O romantismo - num sentido amplo, e não somente erótico - carrega as mulheres para fora dos namoros, dos casamentos, dos empregos e dos países. Há nelas um desejo amplo de realização que nos homens parece estar simplificado na combinação de trabalho e família. É como se nós já soubéssemos o que a vida nos reserva, enquanto as mulheres precisariam descobrir do zero como viver as suas - e os 30 anos assinalam um momento dramático de definição.

Muitas mulheres, lendo isso, rirão das minhas especulações. Homens angustiados e complexos tampouco irão se reconhecer nesse desenho simplificado. Seres humanos diferem, naturalmente. Um homem pode ter mais em comum com uma mulher do que com outros homens. Naturalmente. Mas isso não impede que haja tendências e histórias que se repetem através dos anos, e a crise feminina por volta dos 30 é uma delas.

Como homem, o que fazer diante dessa crise? Não sei. Como agir se ela atingir a mulher que você ama? Eu bem que gostaria de saber.

O que eu acho - apenas acho - é que honestidade e conhecimento de si mesmos são essenciais. Na hora do pânico e da solidão, somos capazes de gestos heroicos que não significam nada. São pirotecnia emocional vazia. Espetáculos para nós mesmos. As perguntas essenciais diante da crise da parceira são simples de elaborar e difíceis de responder com franqueza:

. Aquilo que você deseja é semelhante ao que ela parece desejar? Muitas vezes não é o caso.
. Você gosta da pessoa em que ela está se transformando? Frequentemente, não.

. O que você pode oferecer (como ser humano e companheiro, não como provedor) é suficiente para fazê-la feliz? Você me diga, leitor.

Às vezes, mesmo em situações que nos são caras, não podemos fazer nada além de declarar nosso amor e torcer. A crise dos 30 talvez seja uma delas. Você vê a mulher que você ama afastar-se e torce para que ela volte. Se isso for impossível, tenta desejar que ela seja feliz. O que mantém as pessoas apaixonadas através do tempo e das crises - nós sabemos - são projetos e planos comuns. Na ausência deles, existe apenas o nosso sentimento. Ele é lindo, mas não basta. Não diante de uma mulher em ebulição.

Ivan Martins

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Janelas de oportunidade...


 

O amor, como tantas outras coisas, depende de oportunidades. A pessoa que hoje vira do avesso a minha vida, em outro momento poderia ter passado sem ser notada. Bastaria que houvesse alguém ocupando meus sentimentos. Ou satisfatoriamente a minha cama. Eu estaria indisponível aos apelos dela - e um caminho possível da nossa história seria fechado, antes mesmo de começar.

Acho que ainda não se escreveu suficientemente sobre a importância das janelas de oportunidades. Elas aparecem simultaneamente na vida de duas pessoas e tornam os encontros possíveis. Ou não aparecem, e nada se materializa. Um fica parado diante do outro, mas o tempo não oferece uma passagem que os ligue.

No passado, aquela pessoa me quis, mas eu estava envolvido com outro alguém. Quando o envolvimento terminou e olhei em volta, quem me queria não estava mais só. Aquilo que talvez pudesse acontecer não aconteceu. Faltou a janela. Foi preciso esperar outra volta do destino. Em alguns casos ela veio. Em outros, não. É assim. Certos romances não se concretizam. Vibram na memória apenas como possibilidade, para sempre.

Quando a gente fica mais velho, as coisas tornam-se mais complicadas. Os envolvimentos já não duram semanas ou meses. Frequentemente duram anos. As janelas de oportunidade são raras. Se você gosta de alguém que se casou, vai ter de esperar um tempo enorme para que o trem passe de volta. E talvez ele nunca passe.

Há também o complicador do luto. Você está discretamente feliz porque aquela mulher – ou aquele homem – finalmente saiu de uma relação deteriorada que durava anos. Agora, finalmente, ela – ou ele – está disponível para conhecer melhor você e seus sensuais sentimentos. Só há um problema, que se revela na primeira hora de conversa: a pessoa está mortalmente triste. Arrasada mesmo. Topa sair, conversar, beber. Como está carente, pode haver até sexo, mas talvez fosse melhor evitar. Nesse momento de luto e confusão sentimental, o ser humano habita um espaço emocional peculiar onde as coisas acontecem mas, de alguma forma, não são inteiramente registradas. Ou devidamente apreciadas. Suas oportunidades com ela – ou com ele – podem ser queimadas pela precipitação do contato. Ao contrário do que parece, a janela não está realmente aberta.

Por essa razão e por outras, talvez não valha a pena esperar demais pelas janelas de oportunidade dos outros. O dia de amanhã é insondável e o coração das pessoas, também. Hoje, comprometida, a Fulana parece muito interessada em você. Amanhã, separada, ela solenemente o ignora. Acontece o tempo todo, assim como o contrário. Não há garantias.

Melhor construir o futuro com o material inesperado do presente. Gente nova. Novas oportunidades. Se uma janela antiga se abrir, olharemos para o seu interior cuidadosamente. Se ela jamais se apresentar, contaremos que a tarde nos traga uma surpresa. A vida, afinal, é o que acontece enquanto fazemos planos. Melhor deixar-se arrebatar.

Nosso coração, porém, tem suas manias. Às vezes, é inevitável desejar o que desejamos. Se aquela criatura é tão fascinante, se tê-la nos braços é o que você espera há tanto tempo, não tenha medo – mergulhe na janela de oportunidade e faça o possível.

Convide, cultive, coloque-se com carinho e com clareza. Faça a sua parte com empenho. Se não der certo, vire a página. Isso é muito, muito importante. Ao fechar uma janela, você sinaliza ao universo que espera por outra. Ao virar as costas, permite que a sua própria janela se abra novamente. Quem gira e resmunga ao redor dos outros, não abre espaço para nada. Quem entende e sai, consente que a vida recomece.

Neste universo dominado pelo tempo e pelas circunstâncias que ele cria, os gestos são fundamentais. Gestos claro de aproximação e de afastamento. Eles constroem a sorte. Fazem com que as janelas se transformem em oportunidades concretas. Permitem que o amor deixe de ser uma possibilidade latejante no futuro para se tornar algo presente. Não sabemos quando o destino vai nos abrir uma janela, mas nos cabe decidir, agora, o que fazer diante dela.

Ivan Martins

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Não gosta de mim? Só lamento!

Passaram os fogos, a ceia, o ano velho. E, sinceramente, tirando os quilos que ganhei nas comemorações, não noto diferenças na minha pessoa. O espelho, mau como o da madrasta da Branca de Neve, não me poupa críticas. Nem olho mais. E da empoeirada lista de metas de 2014, não mais que uns três itens riscados.

Minha meta para 2015 é um 2015 sem meta. Não me faltam objetivos, nem sonhos. Muito menos desejos. Tenho baús cheios de tudo isso. Me falta é ação.

Listas de metas não têm resolvido meu caso. Meta de ano novo é como lista de mercado. Você entra cheia de gás e necessidades. Na pressa esquece um monte de coisas e sempre sai sem o que precisava. Já acabou de sair de um mercado cheio e lembrou do que esqueceu de comprar? Ó dor.

Em todo caso, um ano começa de novo. Se o ano pode, por que não eu? Posso! Recomeçarei também. Não mudo de nome, como ele faz: 2014 para 2015. Até que não seria má ideia. Mas gosto do meu nome, estou acostumada com ele, as pessoas já me conhecem. Trocar documentos, nem pensar.

Sigo com o mesmo nome. Trocarei, sim, de atitudes, de decisões, de prioridades. Trocarei de cores, de sonhos. Ou não! Se forem bons para continuar comigo, permanecerão.

Trocarei de freio. Tenho freios defeituosos que empacam no meio do caminho. Ainda não sei se sou eu ou eles, mas ando tendo dificuldades. Travo, medro, não resolvo, não desembaralho. Como velha mula, empaco e fico.

Trocarei meus amortecedores que batem mais forte do que deveriam nas estradas da vida. As decepções me doem, os erros me rasgam, tenho torcicolos de mal-entendidos. Sem falar da dor nas costas das mágoas antigas que carrego na mala. Basta! Preciso de mais suavidade e mansidão comigo.

Trocarei a engrenagem das portas que rangem dolorosamente para que entre o novo e saia o que não presta mais.

Trocarei minha estridente buzina que, impaciente, reclama muito mais do que deveria. Uma boca fechada ajuda muito. Paciência é uma virtude admirável que na hora H, eu sempre descubro que ainda não desenvolvi o suficiente.

Trocarei o cinto de segurança. Porque, às vezes, é preciso se lançar e ele trava. Amarrada pelo medo e pelas falsas seguranças, eu fico. Quero me jogar mais livre nas oportunidades que a vida, tão generosa, me traz. E acelerar, com vento na cara no ano de 2015, 16, 17...

Não são metas, não gosto delas. É só manutenção do veículo. Revisão mecânica das engrenagens emocionais. E, dessa vez, quem sabe, eu acorde e bote a fila dos sonhos para andar.

Trocarei o GPS que se guia pela opinião alheia. Quero seguir meu coração. Minhas intuições que já estão roucas de tanto gritar e eu não escuto. Serei eu. No mais profundo eu que eu possa ser em mim mesma. E feliz, por que me atendi no que era importante.

Quem não gostar? Só lamento! Quem reclamar? Sorrio por fora. Dou careta por dentro e sigo!

Careta para os caretas. Talvez essa seja uma boa meta para 2015. Vou pensar.

Mônica Raouf

domingo, 21 de dezembro de 2014

Se a vida te ventar, monte nela e voe...





Trovões, ainda hoje, me dão medo. É São Pedro fazendo faxina e arrastando móveis no céu? Então ele devia colocar feltro nos pés dos móveis! Porque já não era sem tempo dele perceber que, dessa forma, atrapalha os vizinhos. Já ouviu falar da lei do silêncio? Chega de susto, São Pedro!

A maior importância do trovão, para mim, é que ele nos remete à nossa pequenez. À nossa desproteção frente a tudo, ao inevitável, ao inesperado. O que tiver que vir, virá. E, se vier, o que será de nós?

Quando ruge um trovão, uns se encolhem. Outros tremem. Há quem chame Iansã. E há os que gritam por Santa Bárbara. Elas têm muitos pontos em comum. São figuras femininas com a capacidade de impor sua vontade, mesmo que tenha um custo.

Toda vontade tem seu custo. E não buscar seus desejos, por acaso também não tem? Ficar sem viver o sonhado não tem um custo mais alto ainda?

Iansã é a orixá dos ventos, das ventanias e tempestades. Do tempo que fecha e aperta o peito na previsão de dificuldades. A mensagem de Iansã? É preciso ventar. Vento areja, tira poeiras, refresca. Traz o que não estava. Leva o que estava. Vento é mudança. Mudança é a própria vida que não se repete nem em um minuto.
Iansã é a orixá do fogo das paixões. É preciso ter paixão por ideias, por pessoas, por nós mesmos. Vida sem fogo é triste cinza. É preciso se deixar queimar, ventar, renovar. É a vida nos descascando, mudando nossa pele para nova etapa.

Não mandamos nos ventos. Da vida não controlamos quase nada. Somos pegos de surpresa, de calças na mão. No susto o tempo todo. Somos jangadas soltas no mar. Mas temos o leme. Temos a vela. Sempre podemos mudar a direção.

Mudar o velho e empoeirado padrão. As ideias que já murcharam e não acendem mais o fogo da paixão. O brilho do olhar é o que nos venta por aí. O que nos aquece a alma. E nos dá lenha nas batalhas do dia a dia.
Um amigo me disse assim:

- Pé frouxo tropeça e cai.

O medo amolece a gente. O passo fica incerto, a gente cai mesmo. Iansã, a orixá destemida, parte ao encontro do que quer. Sabe buscar o que interessa. Ela ensina a pisar firme. Se a vida te ventar, monte nela e voe! Seja pipa, dance no caminho! É preciso saber voar ao sabor do vento.

À essas mulheres guerreiras eu peço: que nos ensinem a guerrear a boa guerra. As batalhas que, verdadeiramente, valham a pena. E a trovejar, quando for necessário. E, quando tudo for tempestade, que nos ponham no colo um pouco. Nos sequem, nos deem abrigo. Porque somos muito medrosos, mas queremos também guerrear.

Mônica Raouf

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Desabafo sobre o amor...



O amor é aquele carinha da sua escola, da primeira série, que te xingava de um milhão de palavrões infantis só porque você tinha os dentes da frente abertos. O amor é aquela caixa de morangos que parecem estar maravilhosos e, quando você abre, descobre que todos os que estavam no fundo estão podres. O amor é aquela seção de calças de cintura alta perfeitas, tamanho 32, que não cabem nem mesmo em modelos. O amor não é justo. E, talvez, o problema resida não no sentimento em si, e sim no timing. 

Duas pessoas, quando se encontram, têm a possibilidade mínima de se encontrarem no mesmo estágio de vida. Não importa se você é magra, loira e tem os olhos azuis, se o cara não tá a fim de namorar agora. Não importa quantos gominhos você tenha na sua barriga malhadíssima, se o outro te acha um saco. 

Conheci muita gente e me apaixonei por cada uma delas - paixão é sim, uma forma mínima de amar, por menor que seja. Conheci gente demais em tempos errados demais. Hoje, percebo o quanto estive errado em cultivar mais expectativas do que a mim mesmo. Descobrir-se é a primeira etapa do processo "amar": amar a si mesmo. Amar quem você é, na essência.

 Decidi aos nove anos de idade que iria ser publicitário. Hoje, percebo o quanto me envergo em caminhos diferentes e alternativos, por poder, livremente, ser o que sou. Cada um de nós deveria, antes de tudo, descobrir-se. Abrir-se ao mundo. Há muito a ser explorado, tanto em sua alma, quanto em seu corpo, quanto em seu bairro - imagina o quanto pode haver no mundo inteiro, então.

 E, o amor (ok, papo de auto-ajuda, mas que jamais deixará de ser verdade) só é possível quando descobrimos que o outro está ali para somar, e não completar. Não podemos enxergar no outro qualidades que sentimos não existir em nós mesmos - o que cheira a inveja - e muito menos esperar que o outro nos trate como uma mãe ou um pai. Carência demais é doença. Agarrar a primeira coisa que se vê só mostra o quão fraco e necessitado você se torna a cada segundo em que está sozinho. 

Desejar a companhia de alguém é uma coisa; imaginar o outro como um escravo particular para curar suas inseguranças é outra. E é por isso, e por tudo que ainda posso ser, que descobri - e, por mais incrível que possa parecer, me apaixonei por esta possibilidade - que não estou pronto para amar. Não estou pronto porque ainda tenho muito a fazer - conhecer o mundo é só o primeiro passo. Sair da sua zona de conforto te traz tanta, mas tanta lucidez que voltar para a caverna torna-se impossível - obrigado, Platão. 

Construo-me com passos leves, calmos e muito - mas muito mesmo - despreocupados. E acho que esse é o melhor conselho que poderei dar a alguém, quando me perguntarem sobre felicidade. Vá ser feliz com você mesmo. A única coisa que te merece é o mundo - não somos prêmios particulares, nem bônus de celular, nem números da Telesena. 

Somos indivíduos que, querendo ou não, doendo ou não, nascemos e morremos sozinhos. Encontrar alguém que, ao invés de nos roubar, queira nos acompanhar nessa jornada, é sua árdua missão particular - recebe-se o que se é refletido. Se atrás de você só tem gente louca, quem está de ponta-cabeça é você (nota particular). Descubra-se. Valorize-se em todos os seus trejeitos. Use algo mais curto (ou mais comprido). Dance. Viaje. E, quando, por poesia - por descuido não, por favor! -, alguém queira ficar, que seja para acrescentar. Porque o amor não é justo. Mas ele há de acontecer, um dia.

Luiz Menezes